Título: Sem medo dos juros
Autor: Berlinck, Deborah; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 12/04/2008, Economia, p. 33

AMEAÇA GLOBAL

Lula admite que alta da taxa não afetará economia, insiste em "inflação boa", mas cobra ações.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, em Haia, na Holanda, que, seja lá o que aconteça com os juros - redução, aumento ou manutenção -, isso não causará turbulência na economia brasileira. Segundo ele, as taxas vão subir ou cair quando necessário. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) se reúne semana que vem, num momento em que o Brasil registrou inflação de 0,48% em março, a maior para o mês desde 2005, pressionada pelos reajustes dos alimentos, e que os economistas prevêem alta de juros. O presidente insistiu que "essa é uma inflação boa", pois o povo está comendo mais e fará com que os países aumentem a produção.

- Não será a redução de 0,25 (ponto percentual, hoje os juros estão em 11,25% ao ano) nem a manutenção, nem o aumento de 0,25 que trarão qualquer transtorno à economia brasileira - afirmou o presidente, em Haia. - Os juros irão aumentar quando for necessário e vão cair quando for necessário. Tenho dito ao ministro Meirelles (BC) e ao ministro Guido Mantega (Fazenda) que é preciso que a gente não permita que volte a tensão toda vez que o Copom vai se reunir.

Para Lula, a explicação e a solução para a inflação são simples:

- A inflação sobre alimentos é decorrente do povo comendo mais. Se a produção de alimentos não aumentar, vai ter escassez de oferta e, portanto, inflação. Digo sempre: essa é uma inflação boa. Porque ela está nos provocando a produzir mais.

Governo quer elevar estoques de grãos

Lula pediu aos ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e da Fazenda, Guido Mantega, para apontarem os produtos com mais peso na inflação. Ele quer que os ministros proponham uma política de incentivo à produção desses produtos e que o Brasil seja auto-suficiente em trigo. A reunião entre os ministérios ainda não foi agendada. O Desenvolvimento Agrário e a Agricultura estudam saídas para a crise. A Fazenda disse não ter recebido orientação.

Embora tenha informado que feijão, leite e seus derivados sejam os produtos que mais têm pesado na inflação, Mantega nada disse, em Washington, sobre as medidas determinadas por Lula:

- De fato há inflação de alimentos em todos os países. No Brasil tivemos uma inflação de 4,46% (em 2007), mas se você tirar alimentos, principalmente feijão, leite e derivados, ela cai para menos de 3%. Os alimentos é que estão puxando a inflação para cima.

Para Mantega, a questão da inflação deveria ser encarada como uma oportunidade, tanto em termos de controle do indicador como de abastecimento interno, e também como uma chance de o país ampliar exportações.

O Brasil pode até ajudar a reduzir o hiato entre a oferta e o consumo de alimentos, como sugeriu esta semana o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. Mas o governo está mais preocupado em garantir o abastecimento doméstico a médio e longo prazos. Estudam-se medidas que passam pelo aumento dos estoques reguladores, a aplicação de recursos para o plantio de trigo em estados como Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso, e o aproveitamento de áreas degradadas por pastagens.

O Brasil não mantém estoques relevantes para os principais grãos. Não há reserva pública armazenada de trigo e soja, e são apenas 46 toneladas de feijão. O objetivo das medidas é evitar o que ocorreu na Argentina, que teve de sobretaxar as exportações de grãos para atender a demanda doméstica e frear a inflação.

- As áreas degradadas somam a área em que são plantados grãos no país: cerca de 55 milhões de hectares - disse o diretor de Gestão de Estoques da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Rogério Colombini.

Lula descarta cortes e vê PIB acima de 5,4%

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), uma saída é incentivar a agricultura familiar, responsável por 70% do que os brasileiros comem.

- A agricultura familiar evitou que a alta de preços no mercado externo tivesse impacto significativo no país - disse o assessor de Relações Internacionais do MDA, Laudemir Muller.

Perguntado sobre como o governo equilibraria a crescente inflação em alimentos com as altas taxas de juros do país, Mantega foi seco:

- Não costumo me pronunciar sobre juros, principalmente nas proximidades de uma reunião do Copom.

Para Lula, o nervosismo com a inflação não se justifica:

- A economia está bem, está crescendo, o crédito está crescendo, a demanda está crescendo, a produtividade está crescendo, a renda está crescendo. Se tiver um momento sazonal de um produto, pode corrigir no próximo trimestre ou quadrimestre.

Lula praticamente descartou novos cortes no gasto público, reagindo a uma proposta da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e disse que isso "não tem nada a ver com os juros". Afirmou que "o governo corta quando entende que é necessário". Num encontro com empresários holandeses e brasileiros, o presidente previu crescimento de mais de 5,4% este ano.

(*) Enviada especial (**) Correspondente