Título: Campanha machista
Autor: Mora, Miguel; Lucchini, Laura
Fonte: O Globo, 12/04/2008, O Mundo, p. 39

Alvos de piadas e estereótipos, mulheres vêem seus problemas excluídos do debate na Itália.

`Nossas mulheres são mais bonitas que as da esquerda e, além disso, super preparadas.¿ A enésima declaração machista de Il Cavaliere, possível futuro primeiro-ministro da Itália, ilustra o estado da condição feminina na campanha, na política (e na sociedade) italianas: um machismo dominante e uma forte discriminação. Embora nas eleições legislativas de amanhã e segunda-feira haja mais candidatas do que nunca (25% do total), os estereótipos triunfam. A mãe, o anjo dos fogões, as veline (apresentadoras com pouca roupa nos programa de TV) são a imagem predominante, enquanto que o debate sobre os problemas da mulher pouco aparece.

Segundo Flavia Perina, diretora do jornal de direita ¿Secolo XIX¿, esta é a campanha ¿mais machista dos últimos anos¿. Concorda com ela a ministra interina de Comércio e Políticas Européias, Emma Bonino:

¿ Nem as mulheres falam das mulheres. É inexplicável, mas é assim. Com a ajuda da Igreja Católica, a Itália continua considerando que o núcleo da construção social é a família, e não os cidadãos. Por isso temos seis milhões de mulheres fora do mercado de trabalho. Se fossem seis milhões de homens, seria uma emergência.

UE ameaça acionar Roma por critérios desiguais

Para Emma Bonino, a filosofia ¿continua sendo que a mulher deve ficar em casa, cuidar da família e, se tiver tempo, trabalhar¿:

¿ Assim pensam os homens e também muitas mulheres. Não podemos ser um país desenvolvido se a economia renuncia a 50% de sua força de trabalho.

A União Européia está a ponto de acionar a Itália por não aplicar critérios iguais em suas políticas trabalhistas e sociais.

¿ A idade de aposentadoria para as mulheres é de 60 anos. A dos homens, 65 ¿ diz a ministra. ¿ Propus equipará-los gradualmente e dedicar o dinheiro das cotizações para impulsionar a incorporação da mulher ao mercado de trabalho, mas ninguém parece interessado.

Uma vitória de Silvio Berlusconi pouco ajudaria a resolver o problema. Suas idéias ficaram claras num programa de TV quando aconselhou uma jovem que se encontrava em dificuldades a procurar um marido rico. Berlusconi prometeu que, se ganhar, incluirá quatro mulheres no governo. Em seu último Gabinete (2001-2005), havia apenas uma ministra. Entre as seis ministras de Romano Prodi, só duas tinham pasta.

Sem órgão para cuidar da violência contra a mulher

O programa eleitoral do Povo da Liberdade, de Berlusconi, planeja um abono-maternidade de 1 mil (R$2,6 mil) e aumentar a pena contra estupradores. Nem uma palavra mais. O Partido Democrático, de Walter Veltroni, promete um seguro gratuito para donas de casa, auxiliares de maternidade para mães pobres e abrir escolas primárias à tarde e no verão.

Renata Polverini, a primeira mulher a chegar à secretaria-geral de um sindicato, a UGL, de centro-direita, declara-se desiludida com a campanha eleitoral, que só fala nas mulheres por oportunismo, segundo ela:

¿ Vivemos uma emergência de salários. As mulheres se vêem obrigadas a trabalhar para que as famílias possam subsistir, mas ninguém se preocupa em impulsionar o emprego feminino. A sociedade italiana continua sendo machista. A culpa é dos políticos e das mulheres.

Um assunto tabu é a violência contra a mulher, que afeta 32% das italianas entre 16 e 70 anos. Somente em 2006 houve 1,1 milhão de mulheres agredidas. Os índices mais altos de violência, revela um estudo do Instituto Nacional de Estatística, encontram-se entre as mulheres de 16 a 24 anos.

Maria Grazia Passuello, presidente da Solidea, associação de mulheres que sofrem maus-tratos, denuncia que na Itália não há nenhum órgão oficial que se encarregue do assunto.

¿ Romano Prodi deu força à criação de um observatório nacional da violência de gênero, mas seu governo caiu antes que este entrasse em funcionamento ¿ disse ela.