Título: Fé e óleo contra a dengue
Autor: Neto, Lauro; Costa, Célia
Fonte: O Globo, 15/04/2008, Rio, p. 10

O "AEDES" ATACA

Pastor oferece poção para fiéis tomarem durante cultos; ministério e especialista se preocupam.

"Proteção divina contra a dengue". A promessa, contida num copinho de plástico, era oferecida durante um culto da Igreja Universal do Reino de Deus na Catedral Mundial da Fé, em Del Castilho. Das mãos do pastor Adalberto, os fiéis recebiam uma dose de óleo misturado a azeite. Como noticiou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO, a instituição neopentecostal vem realizando atos contra a doença nas manhãs dominicais. O panfleto que convida os fiéis para o culto diz que eles receberão "um cálice com óleo santo, para que todos sejam livres desta epidemia". No último domingo, repórteres do GLOBO testemunharam que o pastor recomendou que o azeite fosse tomado.

- Só a sua fé te curará - disse Adalberto, oferecendo-se em seguida para fazer uma oração individual, já que o culto havia terminado. - Que o Espírito Santo penetre na sua carne e em seus ossos para te livrar de toda dor e todo o mal.

No fim, o pastor distribuiu ainda uma capa protetora para caixas d""água de 500 litros e disse que haveria outros cultos às 15h e às 18h.

Ao ser informado sobre a distribuição do "óleo santo" pela seita, o Ministério da Saúde afirmou em nota que recomenda que as pessoaos não se auto-mediquem e procurem atendimento médico. O órgão alertou ainda que a dengue é uma doença grave e pode matar. Por fim, reiterou que não existe vacina nem qualquer medicamento específico para a doença.

Infectologista: "Só orar não adianta"

O infectologista Edmilson Migowski, professor da UFRJ, considera preocupante o fato de as pessoas acharem que podem ficar protegidas da doença ao ingerirem óleo.

- Independentemente da questão religiosa, é preciso aletar que não adianta só orar. É preciso se cuidar e combater os criadouros do mosquito.

Enquanto isso, pesquisadores indianos comprovaram que o extrato da planta Solanum villosum tem ação repelente e é eficaz no combate às larvas do Aedes aegypti, como também noticiou Ancelmo Gois. Para o entomologista Anthony Érico Guimarães, da Fiocruz, trata-se apenas de mais uma arma de combate à epidemia, que não deve ser vista como "a salvação da pátria". Igual opinião tem o especialista sobre um estudo feito por ele mesmo, com um vegetal da família das pimentas:

- Há centenas de estudos neste sentido. Aqui mesmo, na Fiocruz, estamos estudando vários produtos naturais que poderiam ser aplicados como larvicidas. Embora algumas dessas substâncias sejam mais eficazes ou poderosas que outras, sempre serão uma solução paliativa. Se você aplica na pele, apenas espanta o mosquito. Se joga na água, mata as larvas que estão ali naquele momento, mas depois nascerão outras. Por isso, o mais importante é eliminar os criadouros dos mosquitos.

Cerca de 200 técnicos da Fiocruz e voluntários se uniram ontem a moradores de 15 favelas da região de Manguinhos para combater focos de Aedes e coletaram amostras de larvas em 121 focos. Várias estavam em caixas d"água destampadas ou mal vedadas. As larvas serão examinadas pelo Laboratório de Controle de Pragas e Vetores da Diretoria de Administração do Campus, em conjunto com pesquisadores. O mutirão foi uma iniciativa de líderes comunitários, que procuraram o instituto para obter apoio técnico.

Já no Centro, o estudante de publicidade da UFF Pedro Schneider, de 20 anos, passeou pelo Largo da Carioca com um traje anticontaminação, em protesto contra a epidemia.