Título: Trapalhada no petróleo
Autor: Ordoñez, Ramona; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 15/04/2008, Economia, p. 17

Diretor-geral da ANP anuncia megacampo e turbina ações da Petrobras. Estatal nega.

O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, causou alvoroço no mercado ontem, ao anunciar, no fim da manhã, que a área Carioca, situada no bloco BMS-9, abaixo da camada de sal da Bacia de Santos, pode ter reservas recuperáveis - ou seja, passíveis de extração - de 33 bilhões de barris de petróleo, na maior descoberta feita no mundo nos últimos 30 anos. O volume na área liderada pela Petrobras é cinco vezes maior que o do campo gigante de Tupi, estimado em cinco bilhões a oito bilhões de barris, também no pré-sal de Santos. Foi o suficiente para provocar uma corrida às ações da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que estava em pleno funcionamento e em queda, assim como os papéis da estatal. Quando as ações já subiam com força, em meio à especulação, a Petrobras informou, pouco depois das 16h, que não confirmava o volume de reservas. Especialistas afirmam que Lima deveria ser punido e que investidores podem entrar com ação, e chegam a recomendar a renúncia do diretor. - As notícias a serem confirmadas dão conta de que se essas coisas acontecem de fato estaremos às voltas com reservas cinco vezes maiores do que Tupi. Seria com 33 bilhões de barris. É algo bitola (do porte do) Oriente Médio. Mas nada disso está ainda confirmado, são notícias que têm nos chegado informalmente pela própria operadora, que está chegando a essas conclusões - disse Lima, no IV Seminário de Petróleo e Gás, no Rio.

Segundo Lima, se esse volume for confirmado, será também o terceiro maior campo já encontrado. O BMS-9 está sendo explorado pelo consórcio liderado pela Petrobras (45%), com a britânica BG (30%) e a hispano-argentina Repsol YPF (25%). Segundo a nota da Petrobras, o bloco está dividido em duas áreas: Carioca e Guará. Na área do Carioca, o consórcio perfurou o primeiro poço que descobriu petróleo, fato comunicado em setembro. No fim de março, o consórcio iniciou a perfuração de um segundo poço, desta vez em Guará, mas sequer atingiu o pré-sal. A Petrobras informa que para saber o volume será preciso perfurar novos poços. Se o volume for confirmado, isso colocaria o Brasil em oitavo lugar no ranking dos produtores de petróleo (hoje o país é o 17º).

Ação PN sobe 7,57%. CVM condena declarações

As ações da Petrobras movimentaram ontem 48% (ou R$2,2 bilhões) do volume total da Bovespa. Na média de 30 dias, a fatia era de 19%. Com alta de 5,62% para as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) e 7,67% para as ordinárias (ON), o valor de mercado da empresa cresceu R$26,7 bilhões desde sexta-feira, para R$413,3 bilhões. No fim da sessão, a Bovespa fechou com queda de 0,62%. Em Nova York, as ADRs da Petrobras também fecharam em alta: 8,26%, a US$122,18, com a 18ª maior valorização do índice Dow Jones.

Segundo o gerente de análises da Modal Asset, Eduardo Roche, se não fosse a variação da Petrobras, a Bovespa teria caído 1,7%:

- Hoje a Bolsa se resumiu à Petrobras.

A Bolsa chegou à mínima de 1,78% às 12h35m, influenciada pela perspectiva de resultados negativos de bancos americanos que anunciarão seus números nesta semana. Assim que as agências de notícias começaram a publicar as declarações de Lima, por volta do meio-dia, o índice Ibovespa se recuperou. Na cotação máxima, às 13h35m, a Bolsa subiu 0,23%. No mesmo horário, as ações PN da Petrobras, as mais negociadas, atingiram seu valor máximo, subindo 7,57%, a R$84,50. Por volta de 13h30m, as ON chegaram ao pico de 9,54%. O dólar fechou em queda de 0,24%, a R$1,687.

Diante de um pedido de esclarecimento feito pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Petrobras fez o comunicado às 16h19m. Por volta de 16h40m, a CVM divulgou uma nota condenando a atitude de Lima: "A CVM considera prejudicial a divulgação de informações sobre companhias abertas por pessoas que não façam parte da sua administração ou que não sejam seus porta-vozes. Especialmente se forem informações com potencial de influenciar os preços das ações negociadas no mercado e a decisão dos investidores de comprar ou vender". A CVM também analisará se há outras providências a serem adotadas.

No fim da tarde, a ANP divulgou uma nota dizendo que as declarações de Lima foram em "caráter oficioso". A agência alega que as informações eram de conhecimento público, tendo sido publicadas na edição de fevereiro da revista "World Oil". Lima realmente declarara que eram informações não oficiais, mas deixou claro que eram dados informados pela operadora, que é a Petrobras.

As declarações de Lima surpreenderam executivos das três empresas do consórcio. Segundo um executivo, Carioca até pode ter mais reservas que Tupi, mas não tanto. A Repsol optou por não comentar o episódio. A declaração pegou de surpresa o diretor da BG Brasil, Roberto Furian Ardenghy. O executivo, que está em Londres, disse não saber das novas reservas e confirmou apenas que participa do bloco:

- Não estou sabendo desse novo volume. Não há o que dizer - resumiu.

O ex-diretor da ANP David Zylbersztajn não sabe se houve irregularidade jurídica com as declarações feitas pelo diretor do órgão regulador. Porém, ele acrescenta que as informações sobre as novas possíveis reservas dariam ao Brasil uma segurança energética e um papel mais importante no cenário mundial:

- Ele (Haroldo Lima) deve ter tido seus motivos para falar isso. O mais importante, no entanto, é se o país vai consumir esse petróleo agora, para aproveitar o bom momento do cenário mundial, ou se vai guardar para as gerações futuras.

Para Daniella Marques, analista de renda variável da Mercatto Investimentos, como a Petrobras é uma empresa mista, as coisas acabam se confundindo. Por isso, continua ela, o mercado não consegue entender até onde vai a interferência do governo. (Colaborou: Bruno Rosa)

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