Título: Para governo, declarações foram desastrosas
Autor: Camarotti, Gerson; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 15/04/2008, Economia, p. 19

LÍNGUA SOLTA: Informações preliminares sobre campo foram repassadas à ANP num relatório reservado da estatal.

Episódio pode criar clima de suspeição em relação à Petrobras. Diretor da agência será chamado para conversa com ministro.

BRASÍLIA. A declarações do diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, foram consideradas irresponsáveis e desastrosas pelo governo. Para fontes do primeiro escalão, já não fossem as próprias declarações graves, uma conseqüência em particular preocupa: o clima de suspeição internacional em relação à Petrobras, a principal estatal brasileira, que tem ações negociadas inclusive na Bolsa de Nova York. Lima será chamado para uma conversa com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ainda esta semana, quando será externado o descontentamento do Executivo com o episódio.

Uma declaração como essa, sem comprovação, gera a dúvida de se a estatal não teria fabricado um fato para valorizar-se no mercado financeiro ou ganhar cacife em uma negociação com parceiros. É ainda prejudicial ao ambiente de negócios brasileiro, pois o setor petrolífero é aberto e tem a participação de diversas empresas estrangeiras. A ANP que Lima dirige é o xerife do mercado.

- É muito provável que a capacidade da Bacia de Santos seja realmente gigantesca. Mas a forma como isso foi parar na imprensa é de uma irresponsabilidade completa. Isso colocou o Brasil sob suspeita. Passou a impressão de que a Petrobras está escondendo algo. Essa postura tira a nossa credibilidade - avaliou um ministro.

Segundo relatos, as informações preliminares foram repassadas à ANP num relatório reservado da Petrobras. Esses dados realmente apontam uma capacidade bem maior do campo de petróleo da Bacia de Santos. Mas ainda será preciso fazer perfurações e novos estudos para dimensionar a bacia. As informações foram repassadas imediatamente ao Palácio do Planalto.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo assessores, também não escondeu aos interlocutores seu desconforto ao saber da "maneira descuidada" como a informação foi divulgada. Lima foi duramente criticado no Ministério de Minas e Energia e na Petrobras.

Oficialmente, cautela ao comentar o assunto

Mas, por uma estratégia de comunicação, e a preservação da prerrogativa de autonomia dos órgãos reguladores, a ordem no governo foi frear a propagação das declarações e deixar com a Petrobras a tarefa de responder oficialmente. Lula e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não trataram do caso. Mas foi difícil evitar que integrantes da Esplanada demonstrassem a indignação do Executivo com a ANP.

O ministro Edison Lobão, por exemplo, foi extremamente cauteloso ao falar do assunto. Afirmou que o governo ainda não dispõe de todas as informações sobre o campo de petróleo e que apenas após avaliação de todos será possível concluir a capacidade da área de exploração. Mas deixou escapar reprovação a Lima:

- Eu não quero julgar o comportamento da ANP. Quero apenas dizer que o que se vai fazer daqui por diante (na avaliação e divulgação do campo em estudo) é com a segurança devida que a responsabilidade nossa impõe - afirmou Lobão.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi mais direto. Afirmou que o governo não pode "impedir ninguém de falar", mas garantiu que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, vinculada ao Ministério da Fazenda) analisará a divulgação.

- Esse tipo de anúncio me parece que não pode ser feito desse jeito. É importante se esperar a confirmação oficial (da descoberta). Esse tipo de anúncio tem que ser de forma legal - disse o ministro.

Presidente da Petrobras recebeu notícia no México

Nos bastidores, a temperatura foi mais alta. Lobão foi surpreendido pela iniciativa de Lima e a considerou um desastre. Assim que a informação começou a sair nas agências de notícias, o ministro telefonou para o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que estava no México, igualmente estarrecido e surpreso.

No Ministério de Minas e Energia, causou ainda mais irritação o fato de Lima ter dito na palestra e na entrevista que tinha recebido as informações de uma fonte oficial, como se ele tivesse conseguido pôr as mãos nos dados e os estava passando em primeira mão. Soou como descaso com a posição que ocupa:

- Ele é fonte oficial, meu Deus! - desabafou uma fonte.

COLABORARAM Cristiane Jungblut e Eliane Oliveira