Título: Relator da ONU acusa biocombustível de ser crime contra a Humanidade
Autor:
Fonte: O Globo, 15/04/2008, Economia, p. 20
Em entrevista a jornal francês, Jean Ziegler critica EUA e grandes emergentes.
PARIS e WASHINGTON. O sociólogo suíço Jean Ziegler, relator especial da ONU pelo direito à alimentação, classificou a produção maciça de biocombustíveis de "crime contra a Humanidade" e "hecatombe anunciada", em entrevista publicada ontem pelo jornal francês "Libération". O principal alvo das críticas de Ziegler foram os Estados Unidos, devido a seus subsídios agrícolas, mas ele também citou os "grandes emergentes", sem esquecer o Fundo Monetário Internacional (FMI) - que, no fim de semana, chegou a alertar para o risco de distúrbios sociais por causa da alta dos alimentos.
"Quando alguém inicia, nos Estados Unidos, graças a US$6 bilhões em subsídios, uma política de biocombustíveis que drena 138 milhões de toneladas de milho do mercado de alimentos, estão estabelecidas as bases de um crime contra a Humanidade por sua própria sede de combustíveis", disse Ziegler ao "Libération".
Planos de ajuste do FMI não escapam das críticas
Citando o que a imprensa francesa está chamando de "revoltas da fome" - caos social no Haiti, brigas por pão no Egito, campos de arroz vigiados por militares na Tailândia -, Ziegler afirmou que a responsabilidade por isso é "a indiferença dos mestres do mundo, países ricos ou grandes emergentes". "Podemos compreender o desejo do governo Bush de se livrar da influência dos combustíveis fósseis importados, mas é desestabilizador para o resto do mundo. E quando a União Européia decide elevar a proporção dos biocombustíveis a 10% em 2020, ela joga o fardo sobre os camponeses africanos", afirmou Ziegler.
Mesmo reconhecendo haver fatores climáticos - seca na Austrália - e de desenvolvimento - maior consumo de alimentos em China e Índia -, o relator da ONU afirmou que a disparada dos preços é estrutural, não conjuntural. Ele lembrou que, quando o preço do arroz sobe 52% em dois meses, e o dos cereais, 84% em quatro meses, dois bilhões de pessoas são jogadas na pobreza.
"Antes mesmo da disparada dos preços, 854 milhões de pessoas estavam gravemente desnutridas! É uma hecatombe anunciada", disse Ziegler.
Ele afirmou ainda que os planos de ajuste estrutural do FMI impõem aos países pobres uma agricultura de exportação que lhes permita pagar suas dívidas para com os bancos das nações ricas. "Junte a isso os subsídios agrícolas à exportação que pressionam os mercados agrícolas locais, e chegamos a uma situação explosiva", acrescentou.
Ministros da AL pedem soluções a Bird e Fundo
Ecoando as declarações de Ziegler, o ministro de Agricultura francês, Michel Barnier, disse ontem que a produção de alimentos deve ser prioridade.
No domingo, na reunião conjunta de FMI e Banco Mundial (Bird), os ministros da Economia da América Latina haviam expressado sua preocupação com a alta dos preços de alimentos, pedindo aos dois organismos que busquem saídas para o problema.
O ministro da Economia da Argentina, Martín Lousteau, defendeu que o Bird ofereça linhas de financiamento e consultoria para que os países façam frente ao problema do abastecimento. Para o brasileiro Guido Mantega, a prioridade, a longo prazo, seria desenvolver a agricultura, mas isso deveria ser equilibrado com infra-estrutura e acesso à energia.
- Os altos preços da energia e dos alimentos parecem ter chegado para ficar - disse o ministro de Finanças da Guatemala, Juan Alberto Fuentes Knight.