Título: O medo e a esperança
Autor: Araújo, Vera Gonçalves de
Fonte: O Globo, 15/04/2008, O Mundo, p. 25

Berlusconi é a fatalidade. Impõe-se como um fenômeno da natureza. É difícil imaginar a Itália sem o seu sorriso pérfido, seus manejos e seus sofismas. Veltroni era a esperança. Não estava nos augúrios, mas aninhado em muitos corações. O realismo comum leva a se conformar uma vez mais que Il Cavaliere governe, pela terceira vez. Não acontecerá nada que já não tenha acontecido. Mas há outro realismo mais político que faz levar as mãos à cabeça: assume com as bases da Constituição, terá mais poder do que nunca, meterá o dente na magistratura e nos serviços secretos, terminará com os valores da República. Só faltavam esses gestos, essas intempestivas reivindicações de heroicidade para um mafioso condenado, que só se pode interpretar na pior forma possível. O medo.

Seu possível ministro da Economia, Giulio Tremonti, acaba de escrever um vigoroso panfleto político, dedicado a culpar a esquerda e a herança de Maio de 68, sob o título ¿O medo e a esperança¿. Mas este medo é sobretudo à globalização, à emergência das superpotências asiáticas e à resposta insuficiente ou equivocada da Europa. Sua solução, entre Sarkozy e Ratzinger, se resume a sete pontos para salvar-se da crise global: valores, família, identidade, autoridade, ordem, responsabilidade e federalismo. Neles se concentram as idéias da direita católica e a retórica moral do berlusconismo. E tudo isso, dirigido por Berlusconi III, dá medo à outra metade da Itália.

A reação diante de qualquer dilema é tentar uma terceira via, um raro desempate. Mas não haverá empate, talvez ingovernabilidade proporcionada por maiorias distintas no Senado e na Câmara, onde um voto de vantagem proporciona a maioria teoricamente do governo.

Entre a realidade e o desejo, o medo e a esperança, eram muitos os eleitores que esperavam um resultado matizado, em que o poderoso multimilionário não tivesse as mãos livres para coroar seus perturbadores 14 anos de passagem pela política italiana. Mas o berluconismo furioso não quer acordos. O diretor de ¿Il Giornale¿, Mario Giordano, encarregado de levar a bandeira do berlusconismo, recusou qualquer matiz na coluna de ontem. ¿Empate? Não, obrigado. Sei que está na moda cantar tudo o que produza confusão: voto separado (para Câmara e Senado), Parlamento equilibrado.¿ O que faz falta, conclui, é um governo forte.

Quanto a Veltroni, se sua formação confirmar um bom resultado, ao redor de 36% ou 37%, isso pode lhe permitir atuar como um contrapeso eficaz ante essas tendências autoritárias e populistas que tanto teme o antiberlusconismo. Ninguém pode dizer que Veltroni dê medo. Mais medo daria uma derrota absoluta de seu partido, que entregaria todo o poder sem oposição eficaz a esse crocodilo voraz que ataca o governo pela terceira vez.

LLUÍS BASSETS é articulista do El País