Título: Mercado aposta que copom elevará hoje os juros básicos
Autor: Duarte, Patrícia ; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 16/04/2008, Economia, p. 31
Alta, a primeira em três anos, deve ficar entre 0,25 e 0,5 ponto percentual. Decisão contraria setor produtivo
Patrícia Duarte e Gerson Camarotti
BRASÍLIA. O Banco Central (BC) provavelmente tomará hoje uma das decisões mais controvertidas de sua história. Com mercado, setor produtivo, governo e trabalhadores contrários, o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá anunciar a primeira alta dos juros básicos em três anos, de 0,25 ponto percentual ¿ embora muitos apostem em aumento ainda maior, de 0,5. Hoje, a Selic está em 11,25% ao ano. O governo já tem, inclusive, discurso pronto para o dia seguinte: um aumento preventivo agora possibilita, no futuro, a retomada do ciclo de queda, conforme observado em 2004, que abriu espaço para dois anos seguidos de reduções dos juros.
Justamente pelos agentes discordarem da avaliação do BC, explicitada nos últimos documentos e discursos públicos, há tempos uma reunião não é precedida de intensa movimentação política ¿ com ofensivas públicas do Ministério da Fazenda ¿ e lobby, com ações das centrais sindicais, dos empresários e até da academia.
Empresários se aliam a Mantega contra aumento
A pressão se deve à avaliação de que a inflação não se desviou perigosamente da meta central de 4,5% ¿ que tem dois pontos de margem de segurança, para mais e menos ¿ e que ainda não são conhecidos os impactos da inflação mundial de alimentos, do comportamento de outras commodities e do tamanho da recessão da economia dos EUA.
Um dos atores mais combatentes foi o Ministério da Fazenda. O titular da pasta, Guido Mantega, veio a público dizer que ¿PIB potencial¿ era bobagem e expansão de 5% não representava pressão inflacionária. Também emplacou ainda o maior corte orçamentário da era Lula (R$19,4 bilhões), ação fiscal para convencer o BC de que outros freios podem ser impostos à demanda.
Nessas ofensivas, Mantega contou com o apoio integral dos empresários, que chegaram a divulgar estudos e notas públicas rechaçando a alta dos juros e embasando com números a tese de que a inflação está concentrada, atualmente, em poucos itens da cesta de alimentos. Deram ampla divulgação à manutenção do uso da capacidade instalada nos últimos meses (o que significa capacidade de oferta). Só divergiram de Mantega quando o ministro sugeriu uma impopular restrição aos prazos de financiamento.
Em conversas reservadas nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ que desde o último Copom se reuniu várias vezes com Mantega e Henrique Meirelles, presidente do BC ¿ considerou uma precipitação a retomada de alta da Selic. Mas acredita igualmente que é preciso ratificar a autonomia do BC e dar um tom de normalidade às suas decisões.
Para Meirelles, é melhor prevenir do que remediar
Meirelles optou pela sutileza durante o tiroteio, mas fez questão de reforçar ¿ como o fez seu braço direito na área, o diretor de Política Econômica, Mário Mesquita, em duas oportunidades ¿ que prefere prevenir do que remediar. Na avaliação do Palácio do Planalto, porém, o cenário ainda permitiria uma atitude flexível do BC.
No mercado, boa parte dos analistas concorda que a preocupação do BC é exagerada, já que os investimentos estão crescendo (cerca de 15% ao ano) e os preços internacionais das commodities não devem continuar crescendo muito. O mercado projeta IPCA de 2008 a 4,66%, e 2009, a 4,40%.
¿ As expectativas de inflação ainda estão muito próximas da meta. Além disso, os efeitos da política monetária decidida agora somente serão sentidos no ano que vem e, lá, a inflação é menor ainda ¿ argumenta o economista-chefe da Austing Rating, Alex Agostini, que defende a manutenção da Selic.
Mas setores da sociedade lançaram mão de cartadas finais na tentativa de sensibilizar o BC. As seis centrais sindicais enviaram na noite de segunda-feira uma carta a Meirelles e Lula pedindo que a Selic seja reduzida em nome da geração de empregos. Já o Ipea chegou a chamar coletiva para dar holofote a estudo de pesquisador de seus quadros que advertiu: uma elevação hoje pode comprometer a continuidade do ciclo de crescimento.
Mas, se a puxada na Selic for confirmada, o impacto será pequeno. Segundo a Anefac (associação dos executivos de finanças), caso pule a 11,50% ao ano, os juros médios cobrados no empréstimo pessoal de banco passariam de 5,32% para 5,35% ao mês. No cheque especial, os juros médios cresceriam de 7,73% para 7,75% ao mês.