Título: Máfias investem no Brasil
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 13/04/2008, O País, p. 3
PARAÍSO DO CRIME
Organizações criminosas estrangeiras lavam dinheiro no mercado imobiliário e de turismo
Presentes no Brasil desde meados da década de 70, as máfias estrangeiras estão se aproveitando do bom momento da economia brasileira, com altos índices de retorno em investimentos no setor imobiliário e juros altos, para deslanchar suas atividades no país. Ao contrário dos mafiosos que tradicionalmente vinham para o Brasil com o objetivo de se esconder, os criminosos estrangeiros hoje chegam com status de grandes investidores. Eles migraram do eixo Rio-São Paulo para as capitais do Nordeste e lavam o dinheiro obtido com o crime no exterior em investimentos principalmente nas áreas de hotelaria e construção civil.
- É um fenômeno mundial que afeta principalmente as economias emergentes. O dinheiro criminoso não é diferente do dinheiro honesto. É arisco por natureza e procura os lugares onde há mais chance de lucro - disse o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues.
Segundo a Interpol, o Brasil pode abrigar hoje até 50 criminosos estrangeiros com pedidos de prisão decretados em seus países de origem. Pelo menos dez organizações criminosas transnacionais agem hoje no Brasil, segundo fontes que atuam no combate ao crime organizado.
O número de prisões de criminosos estrangeiros no Brasil vem crescendo nos últimos anos. Foram 31 em 2007 e dez só nos primeiros três meses de 2008. As extradições cresceram de sete, em 2006, para 22, em 2007, e nove, no primeiro trimestre de 2008.
- A valorização do real, as altas taxas de juros e o crescimento potencial dos setores de turismo e imobiliário têm atraído o crime internacional pelas boas chances de lucro. A estabilidade econômica é boa para os negócios em geral, legais ou ilegais - disse o professor de economia da Fundação Getulio Vargas Marcos Fernandes.
A mudança de perfil fez com que, nos últimos anos, a inteligência financeira se tornasse um dos principais instrumentos de combate ao crime organizado. Entre 2003 e 2006, a Justiça bloqueou R$44 milhões, com base em orientações do Coaf, das contas de criminosos, muitos deles estrangeiros. O Coaf participou de 27% das operações da Polícia Federal em 2006.
Os setores mais visados pelos mafiosos estrangeiros são o imobiliário e de turismo, principalmente no Nordeste.
- O Rio Grande do Norte virou o Rio Grande dos nórdicos - disse o delegado da PF Jorge Barbosa Pontes, chefe da Interpol no Brasil.
Nordeste é um dos pólos de atração principais
Pontes se refere a um dos casos mais exemplares de como as máfias têm usado o turismo do Nordeste para lavar dinheiro. Em dezembro do ano passado sete pessoas, entre elas o norueguês Trygue Kristiansen, foram presas pela Operação Paraíso da PF na Praia de Ponta Negra, litoral sul do Rio Grande do Norte, acusadas de lavar dinheiro para a B-Gang, a máfia formada por descendentes de imigrantes paquistaneses que controla o crime na região leste de Oslo, capital da Noruega.
Desde 2002, o esquema lavou cerca de US$50 milhões provenientes de assaltos, tráfico de drogas, seqüestros e exploração da prostituição praticados pela B-Gang. O líder da máfia norueguesa, Ghullan Rasol, freqüentava a praia e chegou a se casar com uma brasileira. O dinheiro foi investido em três grandes empreendimentos de hotelaria em Ponta Negra: Blue Martin Apartments, Blue Martin Village e Cotovelo Resort e Spa.
A audácia dos mafiosos nórdicos não poupou nem um dos maiores ídolos do Brasil, Edson Arantes do Nascimento. Pelé quase se associou a Rasol no empreendimento King"s Flat II e foi usado como garoto-propaganda pelos mafiosos. Segundo a PF, ele agiu de boa-fé e não sabia da origem do dinheiro.
- O Pelé não sabia que era dinheiro criminoso. Este é um dos problemas, porque nem sempre o fato de entrar dinheiro estrangeiro é bom - disse o delegado da PF Rômulo Fisch Berrêdo, que comandou a Operação Paraíso.
De acordo com a PF, o mesmo esquema foi utilizado por mafiosos espanhóis, portugueses, franceses, russos, irlandeses e italianos. Bahia, Pernambuco e Alagoas, segundo o chefe da Interpol, também são destinos dos criminosos estrangeiros.
Em 2003, a Agência Brasileira de Informação (Abin) elaborou um relatório que indicava a mudança no perfil e local de atuação das máfias no Brasil. O documento mostra como um grupo de italianos ligados à Cosa Nostra da Sicília se infiltrou na sociedade de Fortaleza, sob o disfarce de investidores estrangeiros. O dinheiro da Cosa Nostra chegou a financiar um projeto educacional para crianças carentes.
Segundo especialistas, o dinheiro entra no Brasil de várias maneiras. A mais usada é a triangulação financeira, quando a máfia estrangeira manda o dinheiro para uma empresa offshore localizada em um paraíso fiscal que, por sua vez, remete os valores para um testa-de-ferro, sem passagens pela polícia, no Brasil.
Em menor escala, as quantias são enviadas pelo sistema financeiro, por meio de transferências bancárias entre testas-de-ferro.
- Mas o dinheiro ainda continua entrando em malas - disse um funcionário da embaixada da Itália no Brasil especializado no combate às máfias.
É o caso do megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía, que escondia milhões de dólares nas paredes de casa. Para o presidente do Coaf, o caso de Abadía é um indício positivo:
- Isso mostra que a fiscalização é eficiente.
Apesar da mudança no perfil dos mafiosos que vêm para o Brasil, alguns criminosos da velha escola continuam escolhendo o país para se esconder e continuar praticando crimes. No ano passado, o italiano Fabio Franco, apontado como o segundo na hierarquia da Sacra Corona Unita, organização criminosa de Lecce, no leste da Itália, foi preso em Santos (SP) comandando um esquema de tráfico de cocaína para a Europa.