Título: Dose acima da esperada
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 17/04/2008, Economia, p. 23

Para segurar a inflação, BC eleva juros, em 0,5 ponto percentual, pela 1ª vez em 3 anos

Patrícia Duarte

Numa medida pouco popular e surpreendente, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu ontem subir a taxa básica de juros do país em 0,50 ponto percentual, para 11,75% ao ano, interrompendo ciclo de três anos sem altas. O movimento foi mais agressivo do que esperava o mercado, que apostava em aumento de apenas 0,25 ponto. A decisão foi tomada para tentar conter as pressões inflacionárias e evitar que elas se disseminem. O objetivo do Copom foi atuar de forma contundente na reunião de ontem, na esperança de que o ajuste dure por um período mais curto e seja de menor intensidade. Dessa forma, estaria preservado o atual ritmo de crescimento da economia na faixa de 5%, tanto neste ano como no próximo.

Economistas não enxergam, por trás da alta dos juros de ontem, um sinal de que o BC considere que a situação da inflação está pior ou que o Copom esteja vendo riscos de descontrole nos preços. Segundo eles, o BC agiu propositalmente para conter as expectativas inflacionárias e não ter de recuperar um eventual tempo perdido mais para a frente. Um analista considera que a intenção do BC foi mostrar aos agentes econômicos que está no controle da situação.

A preocupação do BC estaria na alta acentuada que os preços vêm apresentando no atacado e no risco de essa tendência ser repassada para o varejo. De acordo com um economista, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), da Fundação Getulio Vargas, referente à segunda semana de abril, divulgado ontem, mostra isso. Em uma semana, o IPC-S subiu de 0,64% para 0,76%.

Analistas esperam ajuste futuro menor

A nota do Copom, divulgada ontem após a reunião, deu pistas de que a intenção do BC foi mesmo optar agora por um aumento maior e indicar que o caminho futuro pode não ser de novos arrochos pesados. O texto afirma que ¿o comitê entende que a decisão de realizar, de imediato, parte relevante do movimento da taxa básica de juros vai contribuir para a diminuição tempestiva do risco que se configura para o cenário inflacionário e, como conseqüência, para reduzir a magnitude do ajuste total a ser implementado¿.

Para a economista-chefe do ABN Amro, Zeina Latif, o BC quis passar o recado de que boa parte do remédio foi dada agora para combater possíveis altas da inflação.

¿ Parece que o BC está dizendo que o ajuste (futuro dos juros) não será enorme e que não quer gerar uma desaceleração forte da economia ¿ afirmou Zeina, acrescentando que não mexerá nas suas estimativas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) para 2008 e 2009, de 4,7% e 4%, respectivamente.

Mas na próxima reunião do Copom, nos dias 3 e 4 de junho, a expectativa é de um novo aumento de 0,50 ponto. Isso porque, argumentam os especialistas, nesse curto espaço de tempo dificilmente ocorrerá alguma mudança no cenário para alterar a posição do BC. Não seria coerente com a decisão de ontem.

Nas últimas semanas, o BC deu sinais claros de que iria aumentar a Selic devido à preocupação com o crescimento da demanda interna, em detrimento da oferta, o que poderia pressionar a inflação. Tanto o presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles, quanto o diretor de Política Econômica, Mário Mesquita, afirmaram que o BC tem de agir de ¿maneira preventiva¿.

Mas não chegaram a convencer o mercado e a boa parte do governo, que não viam problemas com o rumo da inflação. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, sustentou que não havia necessidade de elevar os juros neste momento e que o país suporta uma expansão de 5% ao ano. Após a decisão de ontem, no entanto, fica claro que o embate político foi vencido por Meirelles.

Economista teme desaceleração

A preocupação do Copom com o ritmo da inflação ainda não chegou ao mercado. Como mostrou a pesquisa Focus do BC desta semana, os especialistas estimam IPCA de 4,66% em 2008, próximo do centro da meta do governo, de 4,5%, com margem de dois pontos para mais ou para menos. Para 2009, o cenário é melhor: 4,4%. A decisão do Copom também surpreendeu porque, em outras ocasiões, a intensidade da alta foi menor. Em setembro de 2004, quando o BC iniciou outra série, a Selic passou de 16,25% para 16,5% ao ano, num cenário em que a inflação estava acima da atual.

O economista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que possa haver desaceleração importante na atividade econômica:

¿ A decisão do Copom foi surpreendente e muito ruim. Ela pode reforçar o processo de desaceleração (da economia) ¿ afirmou.

CICLO MENOR DE ALTA DEVE SACRIFICAR MENOS INVESTIMENTOS, na página 24

http://oglobo.globo.com/economia/ Jornal: O GLOBO Autor: Editoria: Economia Tamanho: 824 palavras Edição: 2 Página: 23 Coluna: Seção: Caderno: Primeiro Caderno

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