Título: Culpados habituais
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Globo, 17/04/2008, Opinião, p. 7

Atese diz o seguinte: o Brasil não cresce mais porque toda vez que está embalando, como agora, vem o Banco Central e eleva os juros. E por que o BC faz isso? Ora, porque é dominado por um bando de economistas ortodoxos que não gostam ou têm medo do crescimento.

A pergunta seguinte deveria ser: por que um ortodoxo não apreciaria o crescimento ou preferiria a estagnação?

Mas essa pergunta não se faz. Seria complicar demais as coisas, que parecem muito simples para um certo tipo de pensamento que se diria de esquerda/empresarial/sindicalista. Para essa ala, é simples assim, ortodoxos não gostam e/ou temem o crescimento, como disseram recentemente o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e economistas do Ipea.

A questão do crescimento, entretanto, não é trivial. Há diversas teorias e, sobretudo, muitas experiências pelo mundo afora. Assim, um bom exercício é comparar o Brasil com alguns países que conseguem crescer mais rápido e por mais tempo.

Um quesito essencial é investimento. Eis um raro ponto em torno do qual há total entendimento: um país só cresce quando poupa e faz investimentos. Óbvio. Se não se instalam novas fábricas e novos shoppings, se não se constroem estradas, portos e aeroportos, nem se levantam novas moradias, não há expansão do produto nacional.

O Brasil vai mal nesse quesito. Quer dizer, comparando com o Brasil mesmo, houve melhoras. No ano passado, o país investiu o equivalente a 17,6% do Produto Interno Bruto, um recorde para os últimos anos.

Mas a média da América Latina é superior: 22% de investimentos. Acrescente, porém, que o desempenho latino-americano é o pior entre os países emergentes. O melhor é dos asiáticos, com 35% do PIB de investimentos anuais ¿ ou até mais, como consegue a China.

Portanto, eis uma razoável explicação para a baixa capacidade de expansão da economia brasileira. Pode-se elaborar um pouco mais. O setor privado até que investe bem, 16% do PIB, arredondando os números. O setor público é que investe pouco, algo como 1,5% do PIB. No ano passado, por exemplo, o governo federal, com PAC e tudo, investiu o equivalente a 0,9%. Nos países que crescem mais, o setor público é grande investidor.

Teria o governo brasileiro menos dinheiro que os outros?

Na verdade, tem mais. A carga tributária brasileira, em torno dos 37% do PIB, é campeã mundial entre os emergentes. Nestes, considerando os mais bem sucedidos, a carga não passa dos 25% quando é elevada.

Eis a encrenca em que nos metemos: o governo arrecada mais impostos e investe menos. Para onde vai o dinheiro? Para despesas de pessoal, custeio, previdência e programas sociais.

Exemplos: em 2003, a receita líquida do governo federal (depois das transferências a estados e municípios) era de 17,4% do PIB. No ano passado, saltou para 20,1%. Nesse mesmo período, a despesa primária, excluído o pagamento de juros, foi de 15,1% do PIB para 18%.

Considerando que o PIB do ano passado foi de R$2,55 trilhões, esses três pontos a mais indicam que arrecadação e gastos subiram coisa de R$75 bilhões no ano passado, na comparação com 2003.

E onde estão novos aeroportos, estradas e portos?

Não estão. Dos 18% do PIB de gastos do governo federal, 17% foram para pessoal, previdência e despesas de custeio, em que se incluem os programas sociais.

Se o país, no conjunto, está investindo de menos, significa necessariamente que está consumindo demais. Mais consumo, com menos investimento e produção, dá em gargalos (como portos congestionados) e/ou inflação. Assim, ou se aumenta o investimento ou se diminui o consumo. Para diminuir o consumo, sobem os juros e estamos de novo com os ortodoxos do Banco Central.

Mas, se em vez de reclamar dos ortodoxos do BC, o ministro da Fazenda tentasse reduzir o consumo (gastos) do governo, o que aliás é parte de suas funções, faria um serviço melhor.

Também ajudaria muito se o governo promovesse privatizações de aeroportos, estradas, portos, usinas e produção de energia. Lógico: se o setor público vai se dedicar a empregar pessoas, pagar aposentadorias e benefícios e gastar com o funcionamento da burocracia, então poderia ao menos abrir espaço para os investimentos privados.

Mas isso é difícil, aborrecido e politicamente complicado. Melhor esculhambar os ortodoxos.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br.