Título: Corte de Mônaco decide extraditar Cacciola
Autor: Berlinck, Deborah ; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 17/04/2008, Economia, p. 27

PARIS e BRASÍLIA. A extradição do ex-banqueiro Salvatore Cacciola poderá acontecer a qualquer momento, informou ontem a Justiça de Mônaco, onde ele está preso. A Corte de Apelação do Principado anunciou ontem que decidiu a favor da extradição de Cacciola, que era dono do Banco Marka, depois de seis meses de batalha judicial, como publicou o jornal local "Monaco-Matin". Mas este não é o fim da história: para valer, falta uma decisão favorável do príncipe Albert II nos próximos dias. O príncipe costuma seguir a recomendação da Justiça.

Uma assistente da Procuradoria Geral de Mônaco disse que não é possível recorrer contra uma decisão do príncipe. Mas o principal advogado de Cacciola, Franck Michel, de Mônaco, anunciou que vai contestar o ato de Albert II, caso ele seja favorável à extradição. Ninguém tentou isso antes.

O ex-dono do Marka foi condenado pela Justiça brasileira por um rombo nos cofres públicos. Michel denunciou ontem "pressões" do governo brasileiro para a extradição, e criticou a recomendação da Justiça de Mônaco. "A Corte de Apelação não tomou uma decisão. Ela prestou um favor (ao governo brasileiro)", disse o advogado à agência AFP. O Brasil pediu a extradição de Cacciola em outubro.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, comemorou. Para ele, o retorno de Cacciola indica a existência no país de um novo padrão de combate à corrupção:

- É importante do ponto de vista simbólico, porque sinaliza para a sociedade brasileira que existe disposição do país de lutar contra a impunidade em todos os terrenos. É um símbolo importante para a sociedade brasileira.

Segundo Michel, a Constituição do Principado permite contestar um ato administrativo junto ao Supremo Tribunal, a instância máxima, composta por cinco juristas, todos franceses e professores universitários. Eles se reúnem algumas vezes por ano. Como a decisão do príncipe sobre extradição é um ato administrativo, os advogados vêem aí uma chance de atrasar a extradição do ex-banqueiro. O tempo que Cacciola passar atrás das grades em Mônaco será descontado de sua pena no Brasil. O ex-banqueiro, que insiste em dizer que sua prisão no Brasil é política, está melhor "instalado" no rico principado, com vista do mar.

Para Genro, Albert II deverá decidir em até um mês se mantém a extradição de Cacciola. Mas, segundo o ministro, o governo brasileiro está pronto para buscar o ex-banqueiro em dois dias. Pelo plano traçado pela Polícia Federal (PF), dois delegados e pelo menos dois agentes deverão ser destacados para escoltar Cacciola. O ex-banqueiro seria levado em avião de carreira de Mônaco a Paris e, de lá, iria para o Rio, onde deve começar a cumprir pena.

Cacciola foi condenado em 2005 a 13 anos de prisão por gestão fraudulenta, corrupção passiva e peculato. Mas estava fora do Brasil desde 2000, graças a um habeas corpus que o livrou da prisão.

- No momento em que tivermos a decisão do príncipe, em 48 horas estamos prontos para fazer a extradição - disse o ministro da Justiça.

O Marka quebrou com a desvalorização cambial de 1999. Cacciola pediu ajuda ao Banco Central (BC), que, alegando querer evitar que a quebra dos bancos elevasse o nervosismo no mercado, decidiu injetar R$1,5 bilhão no Marka e no FonteCindam. Cacciola chegou a ficar preso no Brasil, mas obteve um habeas corpus e viajou para a Itália. Ele foi preso em setembro no luxuoso hotel Fairmont, em Mônaco, onde passava férias com a namorada - registrado com seu nome verdadeiro.

(*) Correspondente

DO SOCORRO FINANCEIRO À PRISÃO DE LUXO

Salvatore Alberto Cacciola, que era dono do falido Banco Marka, entrou para a cobertura policial dos jornais logo após a maxidesvalorização do real, em janeiro de 1999. Comprometido no mercado futuro a entregar US$1,2 bilhão, o Marka - que, na contramão do mercado, apostava na manutenção da política cambial - ficou sem dinheiro para quitar a dívida. Com a alegação de não deixar quebrar o sistema financeiro, o Banco Central (BC) vendeu dólares à instituição a R$1,27, cotação inferior à do mercado, de R$1,32. O BC fez o mesmo com o FonteCindam, causando prejuízos aos cofres públicos estimados em R$1,5 bilhão.

Acusado de gestão fraudulenta e peculato (desvio de dinheiro público), Cacciola passou 37 dias na carceragem no Ponto Zero, em Benfica, em 2000, mas conseguiu habeas corpus e foi para a Itália. Em 2005, foi condenado a 13 anos de prisão. Protegido pela dupla cidadania - é italiano naturalizado brasileiro -, morava em Roma sem risco de extradição.

Cacciola foi preso em Mônaco em 15 de setembro de 2007. A Interpol da Itália descobriu que ele estava indo para Mônaco com a namorada e avisou à polícia do principado, que prendeu Cacciola num hotel-cassino. Desde então, o ex-banqueiro está na casa de detenção monegasca, próxima ao palácio real e à Catedral de São Nicolas. Nas celas há lavabo, cobertores de verão e inverno, refrigerador e TV com controle remoto. Cacciola divide uma cela com dois internos. O presídio, com vista para o mar, oferece ainda pista para caminhadas ao longo dos corredores e uma biblioteca.

Se depender da Corte de Apelações de Mônaco - que chegou a adiar três vezes sua posição quanto ao pedido brasileiro de extradição -, ele terá de voltar à realidade das prisões brasileiras.

Jornal: O GLOBO Autor: Deborah Berlinck/Jailton Carvalho Editoria: Economia Tamanho: 956 palavras Edição: 1 Página: 27 Coluna: Seção: Caderno: Primeiro Caderno