Título: Elas não brincam de casinha
Autor: Almeida, Cássia; Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 13/04/2008, Economia, p. 33

OIT diz que crescimento do país elevou número de crianças no trabalho doméstico para 410 mil

Dentro de casa, invisível, solitário. O trabalho infantil doméstico, que está para ser incluído pelo governo na lista das piores formas de trabalho para as crianças, ocupava 410.732 meninas, meninos e adolescentes de 5 a 17 anos no Brasil, em 2006. O levantamento inédito, feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2006), do IBGE, mostra que o número teve crescimento - ainda que pequeno, de 1,26% - em relação ao de 2005, enquanto o total de crianças trabalhando no país caiu de 5,4 milhões para 5,1 milhões.

É o lado perverso da expansão da economia brasileira. Segundo a OIT, a melhora na renda entre as classes mais baixas permitiu que elas contratem o serviço das crianças, porque ele é muito barato. Para o economista especializado em mercado de trabalho Claudio Dedecca, da Unicamp, esse efeito colateral tende a diminuir conforme a situação continue melhorando. Segundo ele, o aumento de renda dos últimos tempos não foi suficiente para impedir que outros membros da família procurem o mercado de trabalho:

- Há uma chancela da família, que vê como natural essa entrada da menina no trabalho doméstico. Mas não dá para culpar a família somente. O Estado tem que fazer a sua parte. O ideal é uma política educacional de tempo integral.

Até 30% estão fora da escola

Segundo a OIT, também levam as crianças ao trabalho doméstico a pobreza e a falta de escolas de ensino médio e creches fora das grandes cidades. Pelo estudo, as crianças que trabalham como domésticas apresentam três anos de atraso escolar, o dobro das outras crianças trabalhadoras, e são uma população para a qual a universalização do ensino ainda não chegou: entre 5 e 15 anos, 15,4% estão fora da escola. A parcela dobra entre jovens de 16 e 17 anos.

- O déficit de escolas é tão forte fora do eixo Rio-São Paulo que empurra essas meninas para o trabalho precário e perigoso - diz Renato Mendes, coordenador Nacional do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da OIT.

Clécia Maria da Silva, de 14 anos, por exemplo, começou aos 13 a trabalhar como babá na Zona Norte de Recife. Atrasada na escola - ela cursa a quarta série -, Clécia diz que nunca sofreu maus-tratos embora conheça domésticas que já foram vítimas. Ela cuida de um bebê, em meio expediente, por cerca de R$140 mensais.

- O dinheiro dá para comprar umas coisinhas para mim e sobra alguma coisa para dar à minha mãe.

Segundo Mendes, já está no Planalto a nova lista de trabalhos perigosos e insalubres proibidos para menores de 18 anos, com a inclusão do doméstico. O caso mais recente que mostra o risco a que essas crianças estão expostas é o da menina de Goiânia, de 12 anos, torturada e mantida em cárcere privado pela comerciante Sílvia Calabrese Lima. E as histórias se repetem, segundo Ana Celina Hamoy, coordenadora do Centro de Defesa da Criança e Adolescente Emaús, de Belém. Numa pesquisa feita em 2002, das 385 meninas ouvidas, todas relataram violência verbal, física e psicológica:

- Procuramos devolver essas crianças à família e incluí-las nos programas assistenciais - diz ela.

A secretária nacional de Assistência Social, Ana Lígia Gomes, disse que eliminar o emprego doméstico infantil é um desafio, pois há uma aceitação na sociedade desse trabalho, além da dificuldade de se fiscalizar dentro dos domicílios.

- É preciso uma ação conjunta dos conselhos tutelares, do estado.

JORNADA ULTRAPASSA 40 HORAS SEMANAIS, na página 34