Título: Quase metade das jovens domésticas trabalha 40 horas ou mais por semana
Autor: Almeida, Cássia; Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 13/04/2008, Economia, p. 34

Entre as meninas de 10 a 15 anos, um terço cumpre esta jornada

RIO e RECIFE. As pequenas empregadas domésticas são submetidas a jornadas de trabalho exaustivas. Segundo os dados compilados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2006), do IBGE, 48% das jovens de 16 e 17 anos trabalham 40 horas ou mais por semana. Entre as meninas de 10 a 15 anos, essa parcela chega a 29,5%.

- É uma situação muito grave. Essa jornada de trabalho impede a freqüência e o rendimento escolar - diz Renato Mendes, coordenador Nacional do Programa de Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da OIT.

Entre as crianças que trabalham no serviço doméstico, 14.807 nada recebem pelo trabalho, o que é considerado pela OIT como servidão ou trabalho forçado. E o rendimento não chega à metade do salário mínimo. O ganho médio das adolescentes de 16 e 17 anos era de R$137,08. As menores não chegam a receber cem reais. A média está em R$79,10.

E a educação é fator decisivo para tirar as crianças do trabalho. Estudo recente mostrou que os estados brasileiros com os maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) no quesito educação são também aqueles que exibem as menores taxas de trabalho infantil. E vice-versa.

- Estados como Rio, São Paulo e Distrito Federal, com IDH e educação mais altos, têm as menores taxas de trabalho infantil - afirma Mendes.

Janaína Ferreira Carneiro, de 16 anos, lembra do tempo que passou como doméstica, quando tinha 13 anos. O trabalho começava às 7h só terminava depois das 22h. Lavava, passava, cozinhava, arrumava a casa e cuidava de uma criança de 5 anos. Depois de sucessivas reclamações, a patroa começou a dizer que ela gostava do marido. A menina largou o trabalho após a patroa ameaçar bater nela:

- Eu não contava nada para minha mãe. Não conhecia os meus direitos. Uma amiga me trouxe para cá (Centro de Defesa da Criança Emaús) e larguei o trabalho. Estava prejudicando meu desenvolvimento, perdi um ano na escola - conta Janaína, que vive com a mãe, diarista, e a avó, que lava roupa para fora. Hoje, ela atua no Centro, pela conscientização de outras meninas.

Sem férias: 76% nunca tiveram o benefício

Outra pesquisa da OIT, de 2002, dá as características dessa população trabalhadora. São, na maioria (74,9%), pretas ou pardas, trabalham como domésticas nas cidades de Recife, Belo Horizonte e Belém, onde cumprem jornadas que chegam a 12 horas diárias. A maior parte ganha menos de meio salário mínimo, mas há aquelas que trabalham por comida ou roupas. Elas também relatam maus tratos e agressões, sendo que 70% das que estão entre 15 e 17 anos reclamaram de assédio sexual.

Em Pernambuco, os números são preocupantes, de acordo com Renato Pinto, coordenador do Programa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social-Cendhec. O estudo, que em Recife abordou 315 menores, indicou que 19,7% delas começaram a trabalhar com idades entre 5 e 11 anos, e que 71,4% iniciaram a vida profissional entre 12 e 15 anos. A investigação mostrou que 95% das mães delas também são empregadas domésticas.

- Isso mostra uma espécie de legado, um círculo vicioso - afirmou Pinto.

As jornadas extenuantes chegam a 47,17 horas por semana.

- Se no trabalho doméstico não há jornada definida, quando esse assunto se refere às crianças, elas são ainda mais penalizadas. Não ganham hora extra, não têm recompensas com folgas, e as que dormem no serviço, muitas vezes, são acordadas pelos patrões para esquentar o jantar, por exemplo. Se for assim, há jornadas que chegam a 60 horas - afirmou.

A pesquisa mostrou outro problema: 76% das pesquisadas nunca tiveram férias e 71% não conhecem os próprios direitos. Elas relacionam problemas provocados pelo trabalho: dores musculares (57,6%), dores de cabeça (28,6%), fadiga (21,2%), dor de coluna (18,1%), solidão e tristeza (16,9%).

Especialista compara situação à escravidão

Para a professora do Departamento de História da USP Esmeralda Blanco de Moura, esse trabalho é invisível e insidioso, refletindo também a violência contra mulher, muito alta no Brasil:

- Numa análise histórica, essa situação remonta à escravidão.

Mesmo assim, elas alimentam sonhos. Desejam ser médicas (28%) ou artistas (14%)

- O fato de querer ser médica pode ser uma extensão do trabalho que ela faz hoje, que é tomar conta das pessoas. Muitas meninas sonham em se tornar cantoras.