Título: China detona guerra á mídia após ataques da cnn
Autor: Scofield Jr, Gilberto
Fonte: O Globo, 17/04/2008, O Mundo, p. 34

Analista da emissora diz que governantes são estúpidos e assassinos. Chineses reagem com boicote a produtos estrangeiros

Gilberto Scofield Jr.

PEQUIM. A guerra de propaganda nacionalista do governo da China contra a mídia estrangeira - acusada de manipular informações sobre o país, ser injustamente favorável ao Tibete no episódio dos conflitos em Lhasa e "ferir o sentimento do povo chinês" - subiu de tom ontem após o comentarista político Jack Cafferty, da rede de TV americana CNN, convidado do programa semanal "The Situation Room", afirmar na quarta-feira passada que os produtos exportados pela China são "um lixo" e os governantes, "basicamente o mesmo bando de estúpidos e assassinos que sempre foram nos últimos 50 anos".

A declaração caiu como uma bomba num país onde a população é manipulada pela propaganda do governo na mídia estatal e as acusações contra os governantes são tratadas como insultos aos próprios chineses. A crítica ganhou importância num momento em que Pequim, sede das Olimpíadas em agosto, está acuada por protestos em todo o mundo contra a violação aos direitos humanos.

CNN diz que não pretendia ofender povo chinês

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Jiang Yu, exigiu, numa entrevista coletiva na terça-feira, que a CNN peça desculpas públicas aos chineses:

- Estamos chocados e repudiamos veementemente as afirmações degradantes feitas contra o povo chinês. O que ele disse reflete sua arrogância, ignorância e hostilidade aos chineses, que ficaram indignados - disse ela. - Exigimos que a CNN e Cafferty se retratem por seus infelizes comentários e peçam desculpas ao povo da China.

A CNN, por sua vez, emitiu um comunicado em que ressalta que nem a rede nem o comentarista quiseram ofender o povo chinês e que os comentários de Cafferty - uma análise feita enquanto o âncora Wolf Blitzer comparava a China de hoje ao país de 20 ou 30 anos atrás - se referiam ao governo da China. "Não foi intenção de Cafferty ou da CNN ofender o povo chinês, e gostaríamos de pedir desculpas a quem quer que tenha interpretado o comentário desta maneira. Jack Cafferty estava dando sua opinião forte sobre o governo da China, não sobre o povo da China. Ele já expressou seus comentários críticos a vários governos, inclusive ao governo dos EUA e seus líderes", diz o comunicado.

Mas a reação aos comentários da CNN foi enorme ontem na mídia estatal e nos sites de notícias chineses, que estamparam a "indignação do povo chinês" em suas capas e páginas na internet. Num tom nacionalista e xenófobo, a imprensa publicou editoriais contra a rede e contra os jornalistas estrangeiros, acusados de estarem predispostos a falar mal do país.

Na internet, um grupo de chineses nos EUA fez um abaixo-assinado online para pedir que a CNN se desculpe e que, ontem à tarde, tinha 50 mil assinaturas. Outro site contra a "manipulação da mídia estrangeira" foi criado na sexta-feira e já conta com 1,2 milhão de assinaturas de protesto contra a imprensa internacional, "especialmente a CNN e a BBC".

Para o professor de estudos do Leste Asiático da Universidade de Princeton, Perry Link, a onda xenófoba da China em reação aos episódios da crise no Tibete e da viagem da tocha olímpica já era esperada.

- As explosões de sentimentos nacionalistas tiram da cabeça dos chineses preocupações com o que faz seu próprio governo: corrupção, degradação ambiental, diferença crescente de renda, e redirecionam esta raiva para tibetanos e estrangeiros. Isto faz um bem enorme para os governantes chineses - diz.

Mas a indignação com os estrangeiros ganha um perigoso tom de enfrentamento no momento em que Pequim se prepara para receber 500 mil turistas estrangeiros para as Olimpíadas. Através de mensagens de celular, os chineses estão pedindo um boicote aos supermercados Carrefour e à rede de lojas Body Shop, comprada pela gigante francês L'Oréal em 2006, como uma "resposta à maneira como os franceses trataram a tocha olímpica em Paris".