Título: Ao subir juro, BC também mirou gastos do governo
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 18/04/2008, Economia, p. 27

VOLTA DO APERTO: Apesar de desconfortável com a decisão do Copom, presidente não quer expor novas polêmicas.

Avaliação de Lula é que divergência pública entre Meirelles e Mantega teria levado a aumento maior da taxa.

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou de forma reservada que o embate público das últimas semanas entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) levou o Comitê de Política Monetária (Copom) a ser mais conservador em sua decisão de elevar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros (Selic), o que surpreendeu mercado, governo e setor produtivo. A interlocutores, o próprio presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles, havia desabafado recentemente que estava sendo muito pressionado por colegas de governo. Ainda na noite de quarta-feira, logo após a reunião do Copom acabar, Meirelles telefonou a Lula para explicar a fundamentação técnica do aumento da Selic.

Ontem, a percepção no núcleo do governo era que a decisão do Copom teve um recado duplo. Politicamente, na direção de que é preciso garantir a blindagem de Meirelles, para que a credibilidade da instituição se mantenha inalterada, sob o manto da autonomia operacional. Tecnicamente, o sentimento que deve ser explicitado na ata do Copom, a ser divulgada na quinta-feira, é que o BC acha que o Executivo deveria conter a expansão dos gastos. Isso desagradou a setores do governo.

No Planalto, idéia é ressaltar o bom momento econômico

Nos bastidores, Lula não escondeu seu desconforto com o aumento dos juros. Já o tinha expressado a Meirelles, em conversas que ocorreram antes da reunião do Copom. Isso porque o Palácio compartilha da avaliação da Fazenda de que um ciclo de aperto monetário ajudará a valorizar o real frente ao dólar, retirando ainda mais a competitividade das exportações, e com risco potencial ao crescimento econômico.

Persiste a avaliação de que a alta dos juros foi precipitada. Por esta análise, a inflação está pressionada sobretudo pelo preço de alimentos. E a expectativa é que este movimento desacelere com o início da safra.

O governo, porém, não quer repetir a queda-de-braço entre Meirelles e o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na semana passada, por exemplo, Mantega alfinetou uma vez mais o BC ao afirmar que os ortodoxos costumam ter medo do crescimento. Lula reconhece que houve um erro político do governo neste debate público. Por isso, a ordem ontem foi tratar publicamente a ação do BC com naturalidade.

Estrategicamente, Mantega foi aconselhado por interlocutores do Planalto a ficar em silêncio. Lula se antecipou a perguntas e tratou do assunto de forma descontraída, ao relacionar uma dor no pescoço com o aumento dos juros, num discurso em Minas. Assessores do Planalto faziam questão de ressaltar o bom momento da economia, e que, por isso mesmo, não era possível "fazer um dramalhão" por causa dos juros.

Meirelles estaria isolado, mas sem correr riscos

Nesta mesma conversa, porém, um ministro ressaltou em tom de desaprovação:

- Espero que essa decisão do BC dê certo!

Nos bastidores do Planalto, há um temor com a mudança de comportamento dos juros em ano eleitoral, pois a medida é impopular e pode interferir no crescimento do país.

- Era uma decisão não desejada, mas de alguma forma, já esperada. O Copom quis dar um freio de arrumação para evitar qualquer risco maior - resumiu o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

A definição da nova taxa de juros também explicitou que Meirelles está praticamente isolado no governo. Mas isso não significa que ele está correndo qualquer tipo de risco. Pelo contrário. O presidente Lula tem dito que não pode interferir politicamente na decisão do Copom. Ele tem consciência de que o que permite a credibilidade do órgão é a sua autonomia, ressaltou ontem um ministro.

- O Meirelles cumpriu um grande papel em todos esses anos. A inflação está sob controle e o BC tem credibilidade. Discutir o tema do juros é oportuno, mas eu vou me opor a qualquer tentativa de atacar o Meirelles - ressaltou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, resumindo o sentimento do Planalto.