Título: A tensa espera dos brasiguaios
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 13/04/2008, O Mundo, p. 41
Responsáveis por 80% da produção de grãos do Paraguai, brasileiros temem vitória de Lugo
Sob o sol forte, ao lado do filho e do sobrinho no meio de uma plantação de soja na pequena Santa Rita, interior do Paraguai, o brasileiro Eloy Lui, 54 anos, segura o chapéu encostado ao peito, enquanto, com a outra mão, faz figa pedindo a derrota do ex-bispo Fernando Lugo na eleição presidencial do Paraguai, no próximo domingo. Sem poder de voto e com dificuldades para regularizar a situação no país - como grande parte da comunidade de 300 mil brasileiros que vivem na área rural - Lui teme o resultado das urnas desde que o debate eleitoral passou a discutir a possível desapropriação de terras dos chamados "brasiguaios".
- São mais de 30 anos trabalhando, deixei muito do meu suor nessas terras. Quero ver quem vai me tirar daqui - desafia Lui.
Influenciados pela propaganda do Partido Colorado, no poder há 60 anos, os produtores rurais brasileiros responsabilizam Lugo por levantar bandeira contra os que chegaram ao Paraguai em meados dos anos 70, compraram terras baratas e atualmente são responsáveis por 80% de toda a produção de grãos do país, além de safras de algodão e de girassol. Das cerca de seis milhões de toneladas de soja, milho e trigo exportados ao ano, em média cinco milhões saem das terras cultivadas por brasileiros.
Em compasso de espera, cercados de seguranças, os brasiguaios tomaram uma decisão: suspenderam a compra de equipamentos e sementes até que haja um compromisso formal do novo governo que dê garantia a eles. Na região do Alto Paraná, onde está concentrada a maior parte do plantio de soja, o discurso eleitoral contra brasileiros reforçou ainda um sentimento nacionalista, e os paraguaios criticam agora a forma como os brasileiros cuidam da lavoura. A partir daí, áreas de conflitos surgiram próximas às fazendas de brasileiros.
- Os brasileiros usam agrotóxicos e não cuidam do meio ambiente. Desmatam de qualquer jeito, de forma criminosa - acusa o presidente da Associação de Agricultores do Alto Paraná, Nery Balbuena, uma espécie de líder dos sem-terra do Paraguai.
Campanha de Lugo refuta acusações
Algumas áreas em nome de brasileiros são alvo de protestos também de pequenos agricultores paraguaios.
O comitê de Fernando Lugo se mobilizou para, nas vésperas da eleição, tentar desarticular a campanha oposicionista. O coordenador da campanha de Lugo, Ricardo Canese, ataca:
- Essa é uma campanha difamatória do Partido Colorado, e Lugo já reafirmou que não fará qualquer perseguição aos brasileiros. Pelo contrário. Ele vai ajudar a legalizar a situação dos produtores rurais - disse ele.
A tensão surge em meio à expansão das lavouras controladas por brasileiros. Nos últimos anos o plantio ultrapassou a fronteira do Alto Paraná, e já alcança cidades de mais três departamentos: Canindeyú, Itapúa e Caazapá. A maior parte das terras está em nome de grandes empresários, que compraram pequenos lotes de colonos, que voltavam para o Brasil ou passaram de agricultores a comerciantes.
Desde o início dos anos 80, os brasileiros passaram a investir pesado na lavoura, embora até hoje reclamem da falta de subsídios do governo. Um produtor rural precisa de pelo menos US$1 milhão em equipamentos para colocar a lavoura de pé.
Ao mesmo tempo em que constituem patrimônio no Paraguai, os brasileiros reclamam do tratamento dispensado pelas autoridades. Da carteira de habilitação à certidão de imigração, o processo de aquisição só vence a burocracia com o pagamento de propina, segundo os brasileiros. Muitos dizem que passaram a viver "sem pátria". Não se sentem paraguaios ou brasileiros. Assim como pagam impostos no Paraguai, utilizam o serviço de saúde em Foz do Iguaçu.