Título: Menos vereadores, gastos iguais
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 21/04/2008, País, p. 3
Com o corte de duas vagas de vereador, decretado pela Justiça Eleitoral em 2004, a Câmara Municipal de Carmo, cidade da Região Serrana a 260 quilômetros do Rio, deveria fazer, anualmente, uma economia de quase R$90 mil. Suas prestações de contas, porém, mostram que a Casa, mesmo encolhendo de 11 para nove vereadores, continuou gastando praticamente todo o dinheiro repassado pela prefeitura. Em 2005, primeiro ano da atual legislatura, só devolveu R$18 mil do R$1,1 milhão repassado pelo Executivo.
E Carmo não está sozinha. Auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE), ao examinarem as prestações de contas de 91 das 92 câmaras (a do Rio é fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Município), concluíram que o corte de vereadores, festejado há quatro anos como medida saneadora, não reduziu os gastos dos legislativos municipais. O dinheiro economizado com os subsídios dos vereadores foi deslocado para outros benefícios, como contratação de assessores, compra de carros oficiais e até pagamento de seguro de vida para os vereadores.
¿ Ficou até melhor ser vereador ¿ comentou um dos técnicos responsáveis pela fiscalização das câmaras.
Em abril de 2004, resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cortou 8.528 vagas das câmaras municipais brasileiras. A medida seguiu o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso contra a lei orgânica do município paulista de Mira Estrela ¿ que aumentava o número de vereadores ¿, de que as cidades com menos de um milhão de habitantes teriam de seguir a cota mínima de nove vereadores e a máxima de 21. Na prática, os ministros do TSE apenas regulamentaram o artigo 29 da Constituição, que relaciona a quantidade de vagas nas câmaras ao número de habitantes dos municípios.
Até hoje, as câmaras municipais não digeriram bem a decisão. A Câmara de Carmo, por exemplo, aprovou este ano uma resolução que restabelece as 11 vagas, ainda que os vereadores saibam que, na prática, a decisão não tem o mínimo respaldo legal.
¿ Queremos apenas estar preparados, caso nos devolvam as duas vagas suprimidas. Se continuarmos com as nove, a resolução fica sem efeito. A legislação eleitoral é muito confusa ¿ justificou o presidente da Casa, Jorge Victor Vieira (PR), o Jorginho.
Por lei, a Câmara de Carmo tem direito a 8% da receita tributária do município, calculada com base no ano anterior. Sendo assim, a prefeitura repassou em 2005 (último dado disponível, fornecido pelo TCE-RJ) R$1,155 milhão, correspondente a 8% da receita de R$14,4 milhões do ano anterior. Mas, naquele ano, a arrecadação cresceu e fechou em R$22,9 milhões, fazendo com que a Câmara só conseguisse gastar 4,8% do orçamento.
Esta diferença, que se repete a cada ano, não é aceita pelos vereadores, que pressionam o prefeito para que o repasse seja fixado pela arrecadação real, o que faria as despesas da Câmara praticamente dobrarem. Pressão semelhante ocorre em praticamente todos os municípios onde há crescimento de arrecadação, principalmente os favorecidos com royalties do petróleo no Estado do Rio.
Justiça cortou 299 vagas de vereador no estado
Com a decisão da Justiça Eleitoral, 299 vagas de vereador foram extintas em 70 câmaras fluminenses. Até então, o estado tinha 1.286 vereadores, agora são mil ¿ 13 vagas foram criadas nas câmaras de Mesquita, Rio de Janeiro e Seropédica. Com pouco mais de 12 mil habitantes pelo Censo de 2000, Engenheiro Paulo de Frontin, no Sul do estado, tinha 19 vereadores. Com a resolução, perdeu dez.
Levantamento feito pelo TCE, a pedido do GLOBO, revelou que 91 das 92 câmaras fluminenses (excluindo a do Rio de Janeiro) gastaram R$261 milhões em 2005. Quatro delas ((Laje do Muriaé, Itaocara, Natividade e Belford Roxo), apesar da redução de vereadores, chegaram a ficar acima do limite dos gastos naquele exercício. O mesmo levantamento mostrou que, do total de recursos, R$172 milhões (66%) foram gastos com pessoal.
Na primeira reportagem da série ¿Profissão vereador¿, publicada ontem, O GLOBO mostrou que quase 300 vereadores fluminenses receberam subsídios acima do teto fixado por lei. Em inspeções e análises de prestações de contas, entre 2004 e 2008, o TCE também encontrou irregularidades em licitações, contratação de pessoal, aluguel de imóveis, mensalidade de linhas telefônicas, contratação de seguro de vida, publicação de editais, compra de autopeças e gastos com combustíveis.
Em Araruama, que teve em 2004 o número de vereadores reduzido de 17 vagas para dez, no ano seguinte recebeu de repasse da prefeitura R$3,3 milhões (R$263 mil abaixo do limite de 8%) e gastou tudo o que recebeu.
Em Carmo, o subsídio dos vereadores está fixado em 30% dos vencimentos de deputado estadual (R$12.384,07). O presidente da Casa, Jorginho, disse que recebe R$3.600 brutos, enquanto os demais, R$2.900. Ex-agente lotérico e vereador em segundo mandato, ele garante que dedica hoje ¿24 horas do dia¿ ao seu trabalho parlamentar.
¿ A população confunde muito. Ela vê o vereador como assistente social, que vai quebrar um galho. Ajudo, por exemplo, quando o filho de alguém passa mal.
A Câmara Municipal de Carmo tem cinco vereadores de oposição e quatro apoiando o prefeito José Carlos Soares (PMDB).
¿ No ano passado, aprovamos tudo. Mas este ano alguma coisa foi vetada ¿ diz Jorginho, referindo-se ao veto da contratação de um médico, um dentista e dois auxiliares de enfermagem para um posto de saúde.
Mais de cem candidatos devem disputar as nove vagas da Câmara, razão pela qual os atuais sonham com o aumento de vagas. A disputa seria um pouco menos acirrada.
Quer contribuir para a série Profissão Vereador? Mande sua mensagem para vereadores@oglobo.com.br Jornal: O GLOBO Autor: Editoria: O País Tamanho: 981 palavras Edição: 1 Página: 3 Coluna: Seção: Caderno: Primeiro Caderno