Título: Impunidade no campo
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 22/04/2008, O País, p. 3

Embora legislação preveja sanções a autores de ocupações, governo não tenta puni-los

Em meio à retomada de invasões pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no "Abril vermelho", os órgãos do governo que cuidam do assunto e deveriam fiscalizar esses atos não pensam em punição. O Ministério do Desenvolvimento Agrário nem sequer tem registro de sanções aplicadas a quem invadiu terra, prédio público ou empresa privada. A legislação federal diz que área invadida não pode ser desapropriada e ser destinada ao programa de reforma agrária, o que não está ocorrendo.

O Incra tem interpretação diferente e usa uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para justificar essa posição. O entendimento da Justiça, segundo o órgão, é que só não se pode desapropriar a terra quando a invasão interfere nos índices de produtividade. Ou seja, quando há, por exemplo, destruição de plantações.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirma que o governo cumpre a legislação.

- Não estamos fazendo vista grossa para essas ações. O governo respeita os movimentos sociais, mas não permite abusos - disse Cassel.

Mas o ministério não informou que medidas estão sendo tomadas para inibir atos de vandalismo. Cassel disse que quem se sente atingido deve recorrer ao Poder Judiciário. A única intervenção do ministério se dá com a Ouvidoria Agrária Nacional, que tem o papel apenas de mediar conflitos.

Ruralistas preparam reação na Câmara

Irritados e fazendo acusações de que o governo federal é leniente com o MST e outros movimentos, os parlamentares ligados à bancada ruralista preparam uma reação esta semana na Câmara. Eles devem aprovar, na Comissão de Agricultura, projeto de lei que, se passar, será um duro golpe contra o programa de reforma agrária. A proposta, de autoria da hoje senadora Kátia Abreu (DEM-TO), restringe o acesso ao programa. Estabelece, por exemplo, que só teriam direito a terra trabalhadores rurais e profissionais de ciências agrárias, como técnico agrícola, engenheiro agrônomo e florestal e veterinário. Teriam o mesmo direito filhos de agricultores.

O projeto acabaria com a figura do acampado com direito a terra da reforma agrária. Para ser inserido no programa, o interessado terá que ter pelo menos cinco anos de experiência com atividade agropecuária. O entendimento dos ruralistas é de que os assentados de hoje são pessoas manipuladas por movimentos sociais e que não entendem de plantação.

"É mais coerente o governo distribuir cestas básicas e capacitar as famílias das periferias das cidades para o emprego urbano do que lançar desqualificados na lida do campo", justifica Kátia Abreu no texto.

Como a autora elegeu-se senadora, o projeto foi reapresentado pelo deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), ligado aos ruralistas. A proposta estabelece que a pessoa que invadir terras, prédios públicos e participar de atos de vandalismo será excluída do cadastro do programa de reforma agrária.

O presidente da Comissão de Agricultura, Ônyx Lorenzoni (DEM-RS), acusa o governo de ter uma "sociedade" com os sem-terra:

- Há uma frouxidão do governo, que não respeita o direito de propriedade. Pior, o governo Lula destina três vezes mais dinheiro para o Ministério Agrário do que para o da Agricultura. O governo permite a ação livre dos bandoleiros do MST e sua turma.

Principal parlamentar ligado ao MST, Adão Preto (PT-RS) chamou o projeto de fascista e diz que os ruralistas querem impedir o acesso dos mais pobres à terra:

- É um projeto que não pode seguir porque exclui a classe social mais necessitada da reforma agrária.

O petista defendeu a ação dos sem-terra nas últimas semanas - que ocuparam rodovias, invadiram sede de mineradora e obstruíram uma ferrovia. Também fez duras críticas à reforma agrária do governo Lula:

- Quando não era presidente, o Lula visitava os acampados e dizia que, se chegasse ao Planalto, poderia não fazer tudo, mas uma única coisa ele iria realizar: a reforma agrária. Mas não cumpriu sua promessa.

O parlamentar chegou a dizer que, no seu estado, o Rio Grande do Sul, a reforma agrária implementada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), combinado com Olívio Dutra (PT) governador do estado, avançou mais.

- Naquela época, foram assentadas seis mil famílias. No governo Lula, até agora, apenas duas mil.

Ministro do Desenvolvimento Agrário no governo tucano, o hoje deputado Raul Jungmann (PPS-PE) afirmou que Lula está deixando de aplicar a lei que proíbe desapropriar terra invadida.

- A lei foi desmoralizada. Este governo rasgou a lei, sem revogá-la. É um governo aliado do MST, que tem calendário com data, local e hora para fazer protesto e invasões. E absolutamente nada acontece. É uma impunidade só.

Foi na sua gestão que o governo baixou medida inviabilizando desapropriação em terra invadida.

- Foi um basta às ocupações, que foram liberadas pela gestão do PT.

Sem-terra invadem fazenda na Bahia

Cerca de 500 militantes do MST ocupam, desde a madrugada de domingo, e por tempo indeterminado, a área externa do galpão de embalagens da Fazenda Mariad, na BA-210, rodovia que liga Juazeiro a Curaçá, a 520 quilômetros ao norte de Salvador, na Bahia. Eles defendem a destinação de áreas da fazenda para os antigos trabalhadores e para uso com a reforma agrária. Esta é a segunda invasão feita pelo movimento no local. A primeira foi no fim do ano passado, mas por decisão da Justiça a área foi desocupada.