Título: Lula descarta rever Itaipu
Autor: Aggege, Soraya; Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 22/04/2008, O Mundo, p. 21

Amorim diverge de presidente e admite reajuste. Eleito, Lugo diz que vai apostar antes no diálogo.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem ¿ após parabenizar, por telegrama, o presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo ¿ que não pretende rever o Tratado de Itaipu, uma bandeira da campanha paraguaia. Lula minimizou a importância do assunto e disse que a agenda entre os dois países tem outros temas importantes. Lugo, por sua vez, em entrevista à imprensa brasileira ontem, em Assunção, disse que não interessa aos paraguaios esperar até 2023, quando expira o tratado, para rever os preços da energia excedente vendida ao Brasil, mas que vai esgotar antes todos os canais de diálogo. Sua proposta é criar um grupo técnico para discutir o assunto.

¿ Sobre Itaipu, nós temos um tratado e ele vai se manter ¿ afirmou o presidente Lula, em Acra, onde foi perguntado sobre as afirmações do ex-assessor Frei Betto sobre a possibilidade de uma flexibilização em relação a Itaipu: ¿ Veja, eu não posso comentar uma declaração de alguém. Mas o tratado não muda. O Brasil tem constantes reuniões com o Paraguai. São muitos os temas, não é só a questão de Itaipu, é a fronteira, a questão da Ciudad del Leste, de investimento. Temos muito para continuar conversando.

Mas logo depois do embarque de Lula para o Brasil, o chanceler Celso Amorim contrariou o que o presidente dissera e não descartou a possibilidade de o governo brasileiro liberar um eventual reajuste dos valores pagos pela energia. Segundo o chanceler, isso já aconteceu no passado, por causa da defasagem de preços. O tratado prevê que o excedente de um dos sócios deve ser vendido ao outro pelo preço de custo.

¿ Vamos continuar discutindo com o Paraguai como pode obter remuneração adequada para sua energia. Isso é justo ¿ disse Amorim.

Perguntado se o governo poderá reduzir preços mesmo que em detrimento de interesses nacionais, Amorim repetiu Lula, citando que a prioridade do Brasil é assegurar a paz na América Latina. Ele frisou, no entanto, que o Brasil não cederá a chantagens. O ministro defendeu ajuda brasileira ao parceiro do Mercosul e citou como exemplo os tratos para construção de uma linha de transmissão de Itaipu a Assunção.

¿ É um absurdo que o Paraguai, sendo sócio da maior hidrelétrica do mundo, sua energia em Assunção seja ruim, não dê para ter uma indústria baseada em energia. Então vamos ajudá-lo a fazer linhas de transmissão importantes. Esse é o bom caminho para o Paraguai. É nossa responsabilidade ajudar os países mais pobres da nossa região ¿ disse Amorim.

Presidente eleito evita comparação com Bolívia

Em Assunção, o presidente eleito, Fernando Lugo, fez questão de salientar suas diferenças em relação ao boliviano Evo Morales, que invadiu refinarias da Petrobras para aumentar o preço do gás natural, e disse que vai esgotar todos os canais de diálogo possíveis. O presidente eleito, no entanto, não descartou levar o caso a cortes internacionais e sugeriu a intermediação estrangeira em caso de impasse.

¿ No caso de Itaipu existem algumas opções. A primeira é esperar até 2023, o que não convém a nós, paraguaios. A segunda é buscar uma saída negociada, com racionalidade, justa para todos ¿ disse Lugo, segundo quem Lula teria admitido que existem divergências entre os números.

O futuro presidente do Paraguai negou a possibilidade de atitudes radicais e defendeu o diálogo como forma prioritária de ação.

¿ Creio que exista uma diferença (em relação a Morales). O que temos com o Brasil é um tratado binacional. A Bolívia tinha um contrato com uma empresa (Petrobras). Nossa relação será de governo para governo. Confio muito na racionalidade do Brasil. Não acredito que algum governo da região possa se aferrar à irracionalidade e à unilateralidade ¿ disse.

Lugo não descartou a possibilidade de levar o caso para cortes internacionais. Perguntado se poderia levar o caso para Haia, respondeu:

¿ Não queremos apontar tão alto e tão longe enquanto não esgotarmos todos os meios locais ¿ disse. ¿ Tenho confiança que não será necessário chegarmos a instâncias judiciais internacionais antes de esgotarmos os meios daqui.

O principal argumento jurídico de Lugo é um documento assinado por Brasil e Paraguai em 1966, o Acordo de Foz do Iguaçu, considerado o primeiro passo para a construção da usina. O acordo diz que o comprador deve pagar um ¿preço justo¿ pela energia excedente. Já o tratado garante ao Brasil a prioridade na compra da energia do Paraguai. Para Lugo, o acordo se sobrepõe ao tratado por ter sido firmado antes.

Sintomaticamente, Lula foi o único dos principais presidentes da região que não haviam telefonado a Lugo para lhe dar os parabéns.

¿ Mas creio que Lula possa ter ligado. Passei a não atender o telefone ontem à noite. Só num dos celulares havia 130 chamadas perdidas. Como uso quatro aparelhos, devia ter umas 400.