Título: Tom conciliador substitui o discurso radical
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 22/04/2008, O Mundo, p. 22
Presidente eleito tem como primeiro grande desafio unir diferentes forças políticas para conseguir governar.
ASSUNÇÃO. ¿Por estes mortos, nossos mortos, peço castigo. Para os que defenderam este crime, peço castigo¿. Os versos do poeta chileno Pablo Neruda pendurados na parede são os únicos sinais de sofisticação na casa franciscana onde o ex-bispo Fernando Lugo recebeu a imprensa brasileira ontem de manhã, poucas horas depois de ser eleito presidente do Paraguai. Na prática política, no entanto, o castigo foi deixado de lado. Durante a conversa de aproximadamente 20 minutos Lugo reconheceu as debilidades políticas da Aliança Patriótica pela Mudança (APC em espanhol) que o elegeu e disse que sua primeira missão como presidente eleito é unir a aliança.
O ex-bispo disse que vai convocar para o diálogo todas as forças políticas do país para garantir a governabilidade nos próximos cinco anos. Líderes da APC admitem até negociarem com a ala dissidente do Partido Colorado, que governa o país há 61 anos.
¿- Sou o presidente eleito por uma aliança que ainda não completou oito meses. Há fissuras, deficiências e falhas. A primeira questão é consolidar a unidade da aliança e nos prepararmos para o governo a partir de 15 de agosto. Isso implica numa série de temas que devem ser tratados dentro da diretoria política da APC e na formação das comissões técnicas ¿ disse Lugo.
Ideologicamente, a APC é um saco de gatos que inclui desde a esquerda radical até setores de centro-direita, cujo elo mais forte é o Partido Liberal Radial Autêntico. Politicamente, embora os resultados das eleições para o Legislativo ainda não tenham sido divulgadas, o grupo está longe de ter maioria no Congresso paraguaio.
-¿ Aceitamos dialogar com o grupo de Castiglioni, mas isso não significa que os colorados estarão no governo ¿ disse um alto dirigente do PLRA.
Preterido na disputa interna do Partido Colorado em favor da ex-ministra da Educação Blanca Ovelar ¿ em um processo de prévias marcado por fraudes ¿ o vice-presidente Luis Castiglioni foi a maior pedra no sapato do presidente Nicanor Duarte nestas eleições. Inconformado com a forma arrogante como o presidente impôs o nome de Blanca, o vice se negou a participar da campanha e provocou um racha no partido. Anteontem, integrantes de seu grupo político desfiavam desaforos contra Nicanor diante das câmeras de TV e comemoravam explicitamente a vitória de Lugo.
A rebeldia fez com que caciques colorados próximos ao presidente cogitassem sua expulsão. O vice, considerado uma renovação no partido de 150 anos, ameaça com uma guerra interna ou até com a fundação de outro partido. O próprio presidente disparou contra o vice:
¿ Quem age contra sua família não pode ser considerado um herói ¿ disse o presidente anteontem à noite.
Em seu primeiro pronunciamento depois da eleição, Lugo mandou um recado aos colorados dissidentes:
¿ Faço um convite muito especial a toda a classe política paraguaia, a todos, inclusive aqueles que não compactuam com nossos ideais, a apostar neste país que já foi grande e que, juntos, façamos com que volte a ser ¿ disse o presidente eleito.
Lugo elogia postura democrática do presidente
Ontem, sentado no velho e gasto sofá azul de sua casa, Lugo elogiou a postura democrática de Nicanor Duarte. Segundo ele, será a primeira vez na história do Paraguai que o governo passará o poder à oposição sem que haja violência.
¿ Nos alegra muito que o presidente da República tenha reconhecido nossa vitória. Estamos abertos para a criação de uma comissão mista que possa, pela primeira vez na história do Paraguai, fazer uma passagem de poder sem violência, sem sangue e sem mortes ¿ disse Lugo