Título: Lula: ricos devem taxar petróleo
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 21/04/2008, Economia, p. 13

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou ontem dois eventos públicos em Acra, capital de Gana, para fazer críticas a países ricos. Ele questionou o fato de os ricos sobretaxarem o etanol brasileiro e não tributarem o petróleo. Lula disse ainda que as descobertas de megacampos de petróleo no Brasil não reduzirão os investimentos nacionais em biocombustíveis.

¿ Quando lançamos a proposta de produzir biodiesel no Brasil, eu imaginava que não iríamos ter muitos adversários no mundo desenvolvido ¿ disse Lula, na inauguração da nova sede do escritório da estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Acra. ¿ Não consigo entender por que os países ricos não falam mal do preço do petróleo. Quanto implica, no custo do alimento, um barril de petróleo a US$103? Por que os países ricos sobretaxam o etanol brasileiro e não taxam o petróleo?

Depois da cerimônia na Embrapa, Lula discursou na abertura da 12ª Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Disse que ¿não há contradição entre a busca de fontes alternativas de energia e o desenvolvimento de padrões agrícolas que garantam a segurança alimentar¿:

¿ As estatísticas estão aí para provar. Os níveis de desnutrição no Brasil caíram ao mesmo tempo em que aumentaram a produção e o uso do etanol, contribuindo para reduzir as emissões de CO.

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, também citou o petróleo na abertura da Unctad. Para ele, as causas da crise de alimentos não podem ser atribuídas simplesmente aos biocombustíveis ou à agricultura de modo geral:

¿ Há muitos fatores envolvidos, como a queda do dólar. E alguns produtos estão em falta por causa do aumento dos preços dos fertilizantes, diretamente relacionado ao aumento do preço do petróleo, por exemplo.

Na cerimônia na Embrapa, diante do presidente de Gana, John Kufuor, e de um público formado por funcionários públicos de Acra, Lula foi enfático:

¿ Eu tenho enfrentado os debates em quase todos os países para onde viajo. Sobretudo quando faço a proposta da produção de biodiesel e de etanol. Ora, acusam o Brasil de querer desmatar a Amazônia. Agora, com o aumento dos preços dos alimentos, (os ricos) culpam os biocombustíveis. Todo o mundo está de acordo que é preciso diminuir o aquecimento do planeta Terra. Mas, até agora, (os ricos) fizeram muito pouco. E estão a exigir dos países pobres que não desmatem.

ONU: crise pode levar a `guerra por alimentos¿

Para Lula, o absurdo maior, para os ricos, estaria no fato de o Brasil ter petróleo e mesmo assim não abrir mão dos biocombustíveis:

¿ Veja, presidente Kufuor, que absurdo: o Brasil é auto-suficiente em petróleo. Agora, descobrimos novas jazidas de petróleo e as possibilidades são extraordinárias. O Brasil será um dos grandes produtores do mundo. E isso não vai diminuir nossa disposição de investir nos biocombustíveis, para misturar no petróleo.

O Brasil já anunciou que tem reservas gigantes de petróleo e gás nas áreas de Tupi e Júpiter, abaixo da camada de sal, na Bacia de Santos. Na semana passada, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, alvoroçou o mercado ao dizer que outra área na bacia, a Carioca, poderia ter 33 bilhões de barris de petróleo, informação que não foi confirmada pela Petrobras. Ontem, Lula não mencionou a que reservas se referia.

¿ Imagine quanto custa você tirar petróleo no fundo do mar. E o Brasil é o país que tem a maior tecnologia de prospecção em profundidade. Uma plataforma, para tirar 180 mil barris por dia, custa US$2 bilhões. Apenas dez países detêm, praticamente, o controle do petróleo no mundo, e poucos países têm condições de construir uma plataforma. Quantos países podem pagar? Quantos países têm tecnologia? Nos biocombustíveis, um homem ou uma mulher, por mais pobres que sejam, pode cavar um pequeno buraco na terra, colocar uma semente e, alguns meses depois, colher seu petróleo verde, gerador de empregos. É isso que estamos oferecendo ao mundo. E queremos um debate franco, sem preconceitos, sem ideologismo.

Ban Ki-moon afirmou que a questão dos alimentos ameaça os esforços contra a pobreza e poderá afetar a segurança de todo o mundo.

¿ Não se enganem: o problema é muito grave ¿ disse o secretário-geral.

Ele atribuiu a atual crise alimentar mundial às políticas agrícolas dos países ricos, especialmente os subsídios e o protecionismo comercial. Depois da abertura da Unctad, Ban Ki-moon se reuniu reservadamente com Lula.

¿ Precisamos de uma revolução verde. O primeiro dever de um governo é alimentar sua população. Mas esses governos precisam resistir ao protecionismo.

Ban Ki-moon não descartou ¿uma guerra por alimentos¿. Para ele, se a crise não for contida, os protestos se tornarão mais violentos e poderão anular os esforços dos últimos sete anos para se atingirem as metas do milênio:

¿ Corremos o risco de voltar à estaca zero. Estamos em uma era de aumento de incertezas econômicas, e ninguém deve ser deixado para trás.

Lula criticou os subsídios agrícolas do mundo desenvolvido e ¿a tentação dos ricos em acentuar práticas protecionistas¿:

¿ Os subsídios milionários pagos pelo Tesouro dos países ricos são como uma droga que entorpece e vicia seus próprios produtores, mas cujas maiores vítimas são os agricultores das nações mais pobres.

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