Título: Assim nascem os políticos
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 20/04/2008, O País, p. 3
Tribunal apura festival de irregularidades em câmaras.
Sob o olhar do jovem Pedro II, o vereador Walnir Amaral da Silva inicia no plenário uma ronda pelo casarão neoclássico tocando nervosamente um sino. Vai começar mais uma sessão. Na quarta-feira passada, a Câmara Municipal de Valença, no Sul Fluminense, discutiu desde homenagens a moradores ilustres ao tráfego de carretas em áreas urbanas. Problemas aparentemente provincianos, mas que refletem um mecanismo que se espalha nas casas legislativas municipais: ao mesmo tempo que se voltam para suas comunidades, dão as costas para as leis que disciplinam o seu funcionamento e não respeitam os limites impostos a seus gastos.
Ao analisar a prestação de contas dos exercícios de 2004 a 2006 em 91 municipais, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) constatou que 283 vereadores receberam remunerações acima dos limites legais. Eles pertencem a 22 câmaras municipais e representaram gastos ilegais de R$7 milhões. Além disso, o TCE apurou também, em inspeções feitas nos últimos dois anos, irregularidades em licitações, contratação de pessoal, aluguel de imóveis, mensalidade de linhas telefônicas, contratação de seguro de vida, publicação de editais, compra de autopeças e gastos com combustíveis.
Como aconteceu na sessão de quarta-feira passada em Valença, quando a maioria dos sete vereadores presentes (de um total de dez) atacou o prefeito da cidade, Antônio Fábio Vieira (PSB), o clima esquenta nas 92 câmaras municipais do Estado (a Câmara do Rio é fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Município). Tudo por conta das eleições que se aproximam. Estarão em jogo mil vagas de vereador. Espera-se que o número de candidatos supere os 14.733 inscritos nas eleições e 2004, o que tornará a próxima disputa um marco histórico nas campanhas eleitorais no estado.
Pelo regimento, cabe ao presidente da Casa, o vereador Lourenço Capobianco (PPS), tocar o sino de prata para abrir os trabalhos. Mas Walnir da Silva (PSB), vereador de primeiro mandato conhecido na cidade por comandar a loteria zoológica, não liga para isso. Ele só estaca ao perceber a presença de estranhos. Neste momento, Lourenço pede aos presentes que se levantem para uma oração. Em seguida, são lidos e votados alguns projetos, um deles do próprio presidente, que altera o fundo ambiental.
- Quem concordar permaneça em seus lugares - pede.
Ninguém se mexe. O quadro de Pedro II, exposto no plenário, orgulha a todos. O autor francês, Claude-Joseph Barandier, pintou o imperador jovem, imagem que os valencianos acham rara. A sessão toma um rumo tenso. Começam os discursos. O primeiro a falar, Claudio Monteiro (PMDB), parte para o ataque.
- As carretas pesadas que passam por aqui só deixam um rastro de prejuízo. Vamos comprar colírio para abrir os olhos do prefeito - grita, aplicando forte golpes com a mão direita na tribuna.
Salvador de Souza (PSB), o Dodô, um dos três únicos vereadores da situação, rebate a acusação com outro ataque: insinua, sem citar nome, que a cesta básica dos servidores da Câmara só não saiu porque Cláudio, primeiro-secretário da Casa, recusou-se a assinar o requerimento. Mas o prefeito seria alvo de novos ataques, como o de Celso Gomes Graciosa (PSC), que não o perdoou por ter desmarcado, "cinco minutos antes", uma audiência em que o vereador levaria à Prefeitura um auditor de um plano de saúde.
- Senti que o prefeito não tem vontade de ajudar os vereadores.
As aparências, contudo, podem enganar. Com freqüência, críticas acaloradas e maioria oposicionista não representam um perigo real na vida do prefeito. No mês passado, a hostil Câmara de Valença aprovou, por oito votos a dois, as contas do prefeito referentes ao exercício de 2006. Para isso, os vereadores passaram por cima do parecer do TCE, que havia rejeitado essas mesmas contas por seis votos a zero.
TCE é uma sigla que faz os vereadores torcerem o nariz. Inspeção feita há dois anos pelo tribunal constatou que o combustível gasto por dois veículos da Casa daria para cada um deles percorrer, diariamente, o correspondente a quase três viagens de ida e volta entre Valença e Rio, que fica a 148 quilômetros de distância. A inspeção verificou um agravante: o consumo elevado ocorreu até em julho, quando a Câmara está em recesso.
Vereador em primeiro mandato e presidente desde o ano passado, Lourenço Capobianco, de 30 anos, diz que tapou o ralo dos combustíveis. Desde então, os vereadores que quiserem usar os três carros da Casa - dois Gols e uma Parati, adquirida recentemente - são obrigados a preencher um requerimento, informando o destino da viagem. Lourenço criticou o TCE por não oferecer às câmaras as informações necessárias a uma boa gestão.
- O TCE exerce função pedagógica até de educar para esclarecer - rebate o presidente do tribunal, José Maurício Nolasco.
O TCE-RJ garante que oferece treinamento, inclusive a distância, aos ordenadores de despesas das câmaras. O tribunal, no momento, analisa 273 prestações de contas referentes aos exercícios de 2005 a 2008. Também já fez, desde 2005, 273 inspeções nas câmaras. Geralmente, nestes casos, os auditores constatam o descumprimento das exigências formais. Quando há irregularidade, além de multar, o TRE encaminha o caso ao Ministério Público.
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