Título: Popularidade alta embala retórica de Lula na viagem ao país do otimismo
Autor: Damé, Luiza; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 20/04/2008, O País, p. 4
Nos discursos presidenciais, inflação, invasões ou enchentes não têm lugar.
BRASÍLIA. Para usar uma analogia futebolística bem ao gosto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele está se sentindo com a bola cheia. Com a autoconfiança sustentada por índices recordes de popularidade, Lula, às vezes de salto alto e às vezes à base de caneladas, tem usado e abusado da retórica popular e partiu para o enfrentamento com a oposição - só chama os Democratas de "demos". No entanto, nos quatro ou cinco discursos que faz por semana, evita entrar em bola dividida. Sempre que pode, passa ao largo de assuntos espinhosos e situações desconfortáveis.
Já chegando à metade do seu sexto ano na Presidência, Lula, amante declarado das viagens, não pôs os pés ainda em Roraima, estado em constante conflito por questões de terra, principalmente após a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Na sexta-feira, ele se reuniu com líderes indígenas e reafirmou o compromisso com a demarcação das terras, mas não falou publicamente sobre o assunto - tema que se torna cada vez mais delicado por causa da resistência dos militares e de outros setores do governo. E tampouco planeja uma visita à região nas próximas semanas.
Até agora, nenhuma palavra pública sobre o MST
Da mesma forma, tem evitado outra polêmica que mobiliza setores da política, da economia e até a Justiça: as invasões comandadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a propriedades públicas e privadas. A orientação do governo continua a mesma: os movimentos sociais são legítimos e têm direito de se manifestar nas democracias. Mas ele próprio evita entrar na polêmica, que põe de um lado o tradicional aliado do PT e de outro empresas importantes como a mineradora Vale.
Nas últimas semanas, Lula também só tratou reservadamente das enchentes no Nordeste, que atingiram mais de 540 mil pessoas, segundo dados oficiais. Lula, que em março esteve em vários estados da região inaugurando obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), discutiu o assunto em reunião no Planalto com os governadores nordestinos.
O que Lula tem feito nos palanques do PAC pelo país, em solenidades no Palácio do Planalto e outros eventos públicos é expor, repetidas vezes, as boas notícias do governo. Com doses altas de otimismo, sobram ironias - até com ele mesmo. Na semana passada, durante a marcha dos prefeitos, Lula brincou com suas deficiências educacionais. Disse que havia evoluído:
- Quem falava "menas laranja" e agora fala en passant, há uma evolução lingüística extraordinária.
Quinta-feira, com torcicolo, saiu do palanque de inauguração de uma obra em Belo Horizonte por instantes e voltou com um colar cervical. Com o humor nas alturas, fez até piada com o aumento dos juros determinado pelo Banco Central na véspera:
- Eu não sei se (o torcicolo) foi por causa do aumento dos juros ontem, não sei se foi por causa do massacre que o Corinthians recebeu do Goiás.
Aprovação de 58% dos eleitores é recorde desde 2003
A eloqüência se explica: Lula entende que pode falar o que quiser porque tem um ouvinte privilegiado, a maioria do povo. No mês passado, 58% dos eleitores avaliaram o governo, segundo pesquisa CNI/Ibope, como ótimo - o maior índice desde que assumiu, em 2003.
Embalado pelos índices, já mandou o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, cuidar da sua crise, e disse aos países ricos que é muito fácil dar ordens às nações pobres de uma sala com ar-condicionado.
Com as economias de quase todos os países afetadas pela crise americana, Lula se esforça em dizer que o Brasil é um porto seguro. Em agosto passado, na inauguração de uma planta de biodiesel, em São Paulo, quando a crise acabara de eclodir, disse que a "nossa economia está mais sólida do que já esteve em qualquer outro momento".
Dados sobre desmatamento desmentem retórica
E, em março, mais confiante, contou em Recife, durante um fórum empresarial, um telefonema ao presidente Bush:
- Eu, pessoalmente, liguei duas vezes para o presidente Bush. (...) Ele falou com o Gordon Brown, meio chateado, e eu liguei para ele para falar: "Bush, o problema é o seguinte, meu filho, nós ficamos 26 anos sem crescer, agora que a gente está crescendo você vem atrapalhar? Resolve a sua crise".
Lula, às vezes, acaba derrubado pelos fatos. Em setembro, em cerimônia de abertura do encontro dos povos da floresta, disse que o Brasil não precisa receber lição sobre como preservar a Amazônia, porque o está fazendo. O Ministério do Meio Ambiente já admitia que crescia a devastação da floresta - e os números o contraditariam no dia seguinte.