Título: Juros Polêmicos
Autor: Batista , Nogueira Paulo
Fonte: O Globo, 19/04/2008, Opinião, p. 7

Ao aumentar a taxa básica de juro em 0,5 ponto percentual, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) desencadeou polêmica acirrada nos meios econômicos.

A posição do Copom é, até certo ponto, compreensível. Uma das suas principais funções é cuidar da estabilidade do poder de compra da moeda nacional. A taxa de juro é seu principal instrumento.

Como se sabe, porém, a utilização desse instrumento não sai de graça. E há dúvidas se o Copom está avaliando corretamente os riscos de inflação e, em especial, o trade-off entre inflação e outros objetivos de política econômica.

A inflação e as expectativas de inflação estão apenas ligeiramente acima do centro da meta, que é de 4,5%. O regime monetário em vigor estabelece um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, em relação ao centro da meta.

A função desse intervalo de tolerância é dar à política monetária alguma flexibilidade para fazer face a choques de oferta ou choques internacionais. Essa é a nossa situação atual. Há uma onda mundial de inflação associada em larga medida aos preços dos alimentos e da energia. No Brasil, cerca de metade da inflação de 4,7% do IPCA, nos doze meses até março, decorre do aumento dos preços dos alimentos.

Ao tentar manter a inflação próxima do centro da meta, em circunstâncias adversas, o Copom não estaria forçando a economia a pagar um preço desnecessariamente elevado?

O próprio governo paga um preço. Como grande parte da sua dívida interna é de prazo curto ou está diretamente ligada à taxa básica de juro, a decisão do Copom, especialmente se for seguida de novos aumentos nos próximos meses, aumentará consideravelmente o déficit e a dívida do setor público.

Há alguns anos, quando o governo era devedor líquido em moeda estrangeira (e em papéis indexados ao câmbio), esse efeito sobre a dívida interna era compensado, em parte, por uma redução do componente externo da dívida pública decorrente da apreciação cambial induzida pelo aumento dos juros. Agora, ocorre o inverso. Como o setor público é credor líquido em moeda estrangeira, a apreciação cambial também contribui para aumentar o déficit e a dívida do governo.

Outra vítima é o crescimento da economia. O desaquecimento da demanda favorece o controle da inflação, mas derruba o nível de atividade. A apreciação do câmbio também ajuda a reduzir a inflação, mas provoca perda de competitividade das exportações e dos setores que competem com importações, afetando negativamente o dinamismo da economia.

O efeito sobre o câmbio talvez seja o principal problema no momento. A valorização do real tem sido acentuada e vem provocando deterioração da balança comercial e do balanço de pagamentos em conta corrente.

Nenhuma das principais moedas do mundo se valorizou tanto quanto o real em comparação com o dólar, de acordo com dados publicados pela revista ¿The Economist¿ referentes a 29 moedas de países desenvolvidos e emergentes. Nos doze meses até 16 de abril, dia em que o Copom resolveu dar a pancada na taxa de juro, o dólar caiu 18% em relação ao real. A moeda que mais se aproxima do real é o franco suíço, que subiu 17% nesse período. Em relação ao euro, o dólar caiu 15%. As demais moedas, em sua maioria, se valorizaram muito menos ¿ algumas chegaram a se desvalorizar frente ao dólar.

Ao ampliar a diferença entre os juros pagos no Brasil e no resto do mundo, o Copom está dando um impulso adicional à valorização já exagerada da moeda brasileira.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net. Jornal: O GLOBO Autor: Editoria: Opinião Tamanho: 629 palavras Edição: 1 Página: 7 Coluna: Seção: Caderno: Primeiro Caderno