Título: Tecnologia ajuda a esclarecer caso Isabella
Autor: Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 20/04/2008, O País, p. 12

Laudos técnicos foram fundamentais para formar convicção da polícia sobre envolvimento de pai e madrasta.

SÃO PAULO. Nunca se viu tanta tecnologia reunida na apuração de um crime. Todos os conhecimentos e equipamentos disponíveis em São Paulo na Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) estão sendo utilizados para se chegar ao assassino que esganou e jogou Isabella Oliveira Nardoni, de 5 anos, do sexto andar do apartamento de seu pai, Alexandre Nardoni. Os peritos vasculharam tudo no Residencial London, do apartamento 62, de onde a menina foi atirada, até corredores, elevadores e gramado do jardim onde o corpo foi jogado, e até os arredores do edifício. A conclusão dos laudos dos peritos é de que o pai e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, mataram Isabella.

Equipes de peritos estiveram no apartamento pelo menos oito vezes para que todas as dúvidas fossem esclarecidas. O reagente químico ¿luminol¿, que emite uma luz fosforescente indicando a presença de sangue mesmo que lavado, ajudou a polícia a descobrir pistas importantes. Uma delas, de que o rosto da menina sujo de sangue foi limpo com uma fralda e uma toalha que já tinham sido lavadas. Até a construção nos fundos do edifício, da qual teria entrado uma suposta terceira pessoa, foi vasculhada. Os menores vestígios foram recolhidos para montar o quebra-cabeça.

Outro equipamento de ponta da SPTC utilizado pelos peritos foi o ¿crimescope¿, também conhecido como ¿luz forense¿, que identifica materiais orgânicos, como sangue, pêlos e sêmen. O micrótomo e o inclusor, equipamentos de ponta da Polícia Técnico-Científica, também colaboraram decisivamente para a elaboração dos laudos. Esses aparelhos permitem a análise microscópica de tecidos. Permitiram saber que a garota foi esganada e morreu em conseqüência de politraumatismo e asfixia provocados pela queda.

Em 2006, 46 mil homicídios

Uma mostra de que há uma valorização para a resolução de crimes por meio da ciência é a participação da SPTC no orçamento da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado. Há dez anos o R$1,48 milhão que a Superintendência recebia representava 0,05% do total. Hoje são R$191,5 milhões, ou 2,25% do orçamento, o que parece não ser muito, mas significa um aumento de 12.841%.

Os avanços técnicos com a aquisição de aparelhagem de ponta e a contratação de mais peritos ¿ na última sexta-feira foram encerradas as inscrições para o concurso que vai contratar mais 68 peritos criminais ¿ que se juntarão ao quadro de cerca de 1.100 que trabalham em campo, em laboratórios e na administração, ainda não são suficientes para que mais crimes tenham solução.

¿ Tudo tem seu limite. Com certeza há uma limitação técnica. A tecnologia vai sendo incorporada conforme a necessidade ¿ admite o diretor do Núcleo de Física do Instituto de Criminalística (IC), Adilson Pereira.

Não há dados oficiais, mas estima-se que apenas entre 5% e 8% dos homicídios cometidos no país tenham o autor revelado. De acordo com o ¿Mapa da Violência dos Municípios¿, em 2006 foram cometidos 46.660 homicídios no Brasil. Além de insuficiente para toda a demanda no estado, onde aconteceram em média 28 homicídios por semana em 2007, o aparato técnico-científico também pouco ajuda quando há falhas de procedimento. É comum os peritos encontrarem o local do crime totalmente adulterado. Como não é lacrado, peças do local, fundamentais para a investigação, são retiradas, mudadas de lugar.

¿ A média nacional de 5% dos homicídios solucionados é baixíssima. Se o homicídio, que é um dos crimes mais graves por atentar contra a vida, tem esse índice de solução, imagine os outros. Isso mostra que a vida no Brasil não é prioridade ¿ observa o advogado Ariel de Castro Alves Ariel de Castro Alves, conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos e diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo.

Para a advogada Flávia Rahal Bresser Pereira, presidenta do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a falta de estrutura para que os crimes sejam investigados é um problema gritante.

¿ O caso da menina Isabella não serve como referência de forma alguma. A falta de estrutura é absolutamente gritante. Esse caso é específico por causa da repercussão e, por isso, foi utilizado tudo de melhor para resolver ¿ afirma a advogada.

Sem a mesma repercussão do caso de Isabella Nardoni, o publicitário Oriovaldo Ferreira Júnior, de 22 anos, morreu ao cair do 18º andar de um edifício no Brás, bairro próximo ao centro de São Paulo, em 26 de março de 2006. O caso sequer foi noticiado pela mídia. Não foi feita perícia no apartamento, que ficou sem lacre. O inquérito, que corria no 8º Distrito Policial, não foi concluído até hoje. Na última sexta-feira os familiares de Oriovaldo foram ouvidos pela primeira vez, depois que o inquérito passou para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

¿ Esse caso não teve a repercussão de mídia que o caso de Isabella está tendo. Essa é a diferença. Os delegados do 8º DP não atenderam nem os pedidos do Ministério Público para que testemunhas fossem ouvidas ¿ conta o advogado Francisco Lúcio França.

Empenho em outros casos

A falta de interesse em esclarecer a morte do publicitário é tanta, segundo o advogado, que foi ignorada no inquérito a presença no apartamento da namorada de Oriovaldo, Maria Juliana Lendimuph Araújo Augusto, de onde ele supostamente caiu, do irmão dela, João Gilberto Lendimuph Araújo Augusto.

¿ Só recentemente a família de Oriovaldo ficou sabendo da existência de imagens que mostram que havia mais de uma pessoa no apartamento ¿ diz Francisco Lúcio.

De acordo com o advogado, houve uma acalorada discussão no apartamento, provavelmente entre Oriovaldo e João Gilberto, antes da queda. Quando vizinhos chamaram o porteiro, avisando da briga, uma outra pessoa, segundo ele Jéssica Barbosa Lima, impediu que o funcionário do edifício entrasse. Quando voltou ao seu posto, o porteiro encontrou o corpo do publicitário estirado na entrada do edifício.

¿ Se outros casos, principalmente os que envolvem pessoas pobres, tivessem a atenção que o caso da menina Isabella está tendo, não tenho dúvida de que teríamos muitos mais crimes solucionados. É preciso o mesmo empenho, que os casos sejam tratados de igual para igual ¿ afirma Francisco Lúcio França.

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