Título: Em Cabaceiras, a perversa matemática
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 20/04/2008, O País, p. 16

Nível de evaporação da água é mais de cem vezes maior do que o da chuva.

CABACEIRAS (PB). Tido historicamente como a localidade mais seca do país, Cabaceiras é um exemplo de como a conta das águas é difícil de fechar no semi-árido da Paraíba. O município recebe em média, 300 milímetros anuais de chuva. No entanto, perde 3.500 milímetros a cada ano por evaporação. Mas a matemática perversa não pára por aí: com o arrombamento dos açudes, 10,5 milhões de metros cúbicos de água foram perdidos por escoamento, segundo Laudízio Diniz, diretor técnico da Agência Executiva das Águas (Aesa). Uma realidade fácil de se observar, seja na paisagem ou no depoimento dos moradores da região.

A dona da Fazenda Teimosa, Maria Eufrásia Ribeiro Leite, é testemunha. Sua propriedade fica à margem de um riacho no município de Boqueirão, no Cariri, vizinho a Cabaceiras. Por duas vezes, ela viu o riacho encher entre março e abril. Houve um dia que o nível da água chegou a três metros de altura; uma ponte quase foi levada e parte do asfalto que passa diante da fazenda cedeu. Do outro lado da rodovia, quatro coqueiros estão derrubados. Mas, curiosamente, o riacho se resume a um fio de água. Nem lembra o seu jeito de corredeira de dias antes.

¿ Eu não entendo para onde vai tanta água. Em um dia, ela vem de rodo, em ondas, em uma correnteza tão grande que dá medo. No outro, está tudo assim, vazio ¿ comenta, diante do chão ainda molhado.

Segundo Diniz, o estado possui cerca de dez mil açudes, entre grandes, médios e pequenos, dos quais só 200 (2%) são públicos. Mesmo assim, eles respondem pelo armazenamento de 4,3 bilhões de metros cúbicos de água; os outros juntos têm capacidade de armazenar 1,4 bilhão de metros cúbicos. Com as chuvas excessivas, o estado perdeu duas barragens: a Namorados, em São José do Cariri e São Gonçalo, em Cubati.

¿ Devido ao estouramento dos privados, gerou-se um efeito cascata, porque as maiores não estavam preparadas para evacuar água das menores ¿ disse ele.

Para técnico, solução é a água do São Francisco

Muita água e muito desperdício. Embora barragens como a Epitácio Pessoa estejam com 100% de sua capacidade, e outras, como o Lagoa do Arroz, em Souza, tenham sangrado pela primeira vez desde sua construção, em 1989, não há garantia de água para a população.

¿- É que as barragens armazenam água, mas perdem por evaporação. No fim do ano o povo está tudo chorando de sede de novo, afirma.

Ele cita números:

¿ Estamos com 5,14 bilhões de metros cúbicos de água armazenada. Mas só podemos contar com 14% daquela quantia como garantia. Isso porque toda a água que o estado possui rende 37 metros cúbicos por segundo, quando a demanda de 42 metros cúbicos por segundo, ou seja, um déficit de 5 metros cúbicos (5 mil litros) por segundo.

Ele diz que, por ter um território pequeno, a Paraíba não comporta mais barragens nas áreas mais críticas: as regiões do Seridó, o Cariri, o alto sertão e a de Curimataú. A solução, diz, é só uma: importar água, via transposição de bacias, no caso do rio São Francisco.