Título: Bolso mais vazio
Autor: Almeida, Cássia ; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 23/04/2008, Economia, p. 19
Ainflação para o consumidor deu um salto em abril. Os números da segunda prévia do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), divulgados ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostram que os preços para o consumidor subiram 0,63% nesses primeiros 20 dias do mês, depois de uma quase estabilidade (0,06%) no mesmo período de março. Nos alimentos, a pressão foi ainda maior. Depois de caírem em média 0,31% no mês passado, avançaram 1,31% em abril. O tomate, por exemplo, cujo preço chegou a recuar mais de 6% em março, ficou 31% mais caro. Segundo especialistas, a economia crescendo forte, em torno de 6% ao ano, facilita o repasse dos preços do atacado para o varejo.
¿ Num momento de crescimento maior e crédito farto, uma alta no atacado é repassada mais rapidamente para o varejo, sem dúvida ¿ explica o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC.
Ele afirma que o fato de os IGPs subirem em torno de 10% em 12 meses, enquanto a inflação para o consumidor está em 5% no mesmo período, justifica a preocupação do Banco Central, que elevou os juros básicos da economia na semana passada para 11,75% ao ano. Na segunda prévia de abril, o IGP-M acumula 2,76% no ano e 9,46% em 12 meses.
Essa é a mesma avaliação do coordenador de análises econômicas da FGV, Salomão Quadros. Para ele, os alimentos estão subindo no varejo, refletindo altas anteriores no atacado. E isso deve continuar com força, segundo ele, mesmo que o Índice de Preços ao Atacado (IPA), na última coleta, tenha recuado: passou de 1,08% para 0,22%.
¿ Na verdade, o índice está mascarando outras altas no atacado, inclusive nos produtos agrícolas. O que puxou o índice para baixo foi a soja em grão, que ficou 9,80% mais barata, depois de alta de 4,62% no mês anterior. Como tem um peso grande no índice, teve influência forte ¿ explicou Salomão.
Ele se referiu a itens em alta como o tomate (35,38% mais caro), que já aparece também mais caro no varejo, bovinos (3,61%) e leite in natura (4,50%). Altas que também devem chegar ao consumidor em breve.
Mercado prevê taxa maior
Outro repasse forte aconteceu no pão francês. Registrou a segunda maior taxa desde 2002: 5,71%, enquanto o trigo no atacado ficou 12,55% mais caro em abril.
Por enquanto, no varejo, as quedas do atacado ainda não chegaram às latas de óleo na prateleira. Elas continuam em alta, refletindo subidas anteriores (nos últimos 12 meses, o grão ficou 48,96% mais caro). O aposentado Cleudo Alves viu o preço praticamente dobrar nos últimos seis meses:
¿ Pagava cerca de R$1,70, agora estou pagando R$3,70, uma alta de 117%.
Ele conta que suas compras no supermercado ficaram cem reais mais caras. O consumidor reclama das altas do feijão e do leite e optou pela troca de marcas:
¿ Comprei uma marca de sabão que é a metade do preço da líder. E ele faz a mesma coisa. Estou procurando outras marcas mais baratas.
Além desses produtos citados por Alves, outro item deverá inchar sua lista: a carne. No atacado, elas estão subindo forte, segundo pesquisas da Paraty Investimentos. No ano, já subiram 29%:
¿ Nas coletas nos últimos dias, já vemos alta de 2% da carne no varejo. O tomate é outro exemplo, que no ano subiu 130% no atacado. No varejo, o repasse já foi de 71% ¿ diz João Philippe de Orleans e Bragança, do departamento de pesquisa da Paraty.
Marco Antônio Franklin, sócio da empresa, estima em 20 dias o repasse para os preços do produtos comercializados internacionalmente. Numa situação de economia aquecida, acha que pode ser até mais rápido.
¿ Se o fornecedor tiver uma estrutura de exportação pronta, e os preços lá fora subirem, o repasse no mercado doméstico pode ser imediato, principalmente num momento em que o país está crescendo.
Mesmo com a alta de 0,5 ponto percentual dos juros decidida pelo Banco Central na semana passada, o mercado continuou puxando para cima suas expectativas de inflação em 2008. Foi o que revelou ontem a pesquisa semanal Focus: a média das previsões para o IPCA subiu de 4,66% para 4,71%, distanciando-se ainda mais do centro da meta oficial, de 4,5%.
Foi a quarta revisão seguida para cima, o que também vem ocorrendo em outros indicadores de inflação. Para o IGP-M, as contas passaram de 6,02% para 6,21% neste ano, enquanto as do IGP-DI, de 5,81% para 6%. Para 2009, o cenário é um pouco melhor. A projeção do IPCA a 4,40% foi mantida. Mesmo com a variação de preços mais intensa, o mercado não alterou a projeção para o encerramento da taxa Selic em dezembro.
¿ Ainda temos de ver como essas expectativas (de juros) vão continuar daqui para frente, porque as revisões de inflação estão vindo maiores do que se esperava ¿ adiantou o economista-sênior da Unibanco Asset Management (UAM), José Luciano Costa.
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