Título: Seita política
Autor:
Fonte: O Globo, 24/04/2008, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Reforma agrária

Esta é uma bandeira antiga no Brasil. Mesmo erguida nas trincheiras da esquerda, não deixou de ser empunhada até pelos governos militares, embora entre os derrotados por eles em 1964 estivessem as Ligas Camponesas, comandadas por Julião, apoiado por Cuba para, "na marra", distribuir terras - a começar pelo Nordeste. Derrubar cercas, invadir fazendas, fazer ocupações não surgiu, portanto, com o Movimento dos Sem Terra (MST).

Mas é com o MST que a questão dessa reforma ganha maiores - e perigosas - proporções. Julião estava circunscrito a uma região e à agricultura. O MST, não mais. Julião queria fazer a reforma agrária como parte de um projeto de mudança do regime. O MST começou a agir, no Sul, sem que se vislumbrasse de forma clara que o alvo final do movimento seria o mesmo daquele perseguido por Julião no início da década de 60.

As Ligas terminaram derrotadas na implosão da "república sindicalista" de Jango. Já o MST surgiu e atua numa conjuntura felizmente muito diversa daquela, em que o aguçamento da Guerra Fria, do conflito entre capitalismo e comunismo, entre Oeste e Leste cindiu o mundo e muitos países, como o Brasil. O comunismo perdeu a disputa com o capitalismo - por incapacidade de competir com o seu dinamismo econômico, com os avanços sociais permitidos pela livre iniciativa e com o regime de democracia representativa. Do ponto de vista da História, a proposta do socialismo real virou pó. Mas não para algumas seitas políticas, entre elas o MST.

Redefinida a questão da reforma agrária no país - pelo avanço da agricultura moderna e pela própria urbanização do país -, o movimento sem terra, para sobreviver, ampliou a agenda de "lutas", e assim perdeu a máscara de um movimento pró-reforma agrária. Apareceu a verdadeira face de uma organização política antidemocrática. Este é um grave momento de reflexão para seus líderes e inspiradores: se desejam participar do livre jogo da democracia - e para isso precisam se legalizar como força política -; ou se querem continuar a radicalizar, em choque com a Constituição, dispondo-se a enfrentar o Estado brasileiro.