Título: O Brasil é parte da solução na crise
Autor: Briscoe, John
Fonte: O Globo, 24/04/2008, Opinião, p. 7

O tema da segurança alimentar e dos biocombustíveis esteve no centro do debate mundial nesta semana, e foi o principal assunto da reunião de primavera do Banco Mundial e do FMI, em Washington.

O alerta sobre a forte e duradoura alta nos preços dos alimentos em todo o mundo, e seus possíveis impactos sobre os países mais pobres, é sério. Há três fatores subjacentes que contribuem para o aumento nos preços dos alimentos em todo o mundo - a disparada nos preços do petróleo e de derivados como fertilizantes, a maior demanda por grãos e carne na Ásia, e o desvio de parte da produção de grãos para a produção de etanol nos países desenvolvidos. Este último efeito levanta um dilema aparente: como obter os benefícios dos biocombustíveis, entre os quais mais segurança energética e menos impactos climáticos e ambientais, sem contribuir para aumentar a pobreza em países já muito pobres?

Para o Brasil, esse é um debate de enorme importância. O país ocupa um lugar singular nessa equação. Com uma excelente base em pesquisa agropecuária e um setor agrícola dinâmico, o Brasil é tanto um dos principais produtores mundiais de biocombustíveis quanto um dos maiores produtores de alimentos. Além disso, o país tem a maior floresta tropical do mundo, que traz importantes benefícios locais, nacionais e globais.

A resposta brasileira a esse dilema não é nova, e antecede o atual debate, embora isso nem sempre transpareça no calor das discussões. Como ressaltado pelo presidente Robert Zoellick, do Banco Mundial, o programa de etanol do Brasil é muito mais eficiente na redução de emissões de gases de efeito estufa em comparação com outros programas existentes nos países desenvolvidos.

Estudos mostram que o etanol brasileiro é uma solução energética verdadeiramente limpa e viável dos pontos de vista econômico e ambiental. A experiência brasileira de mais de 30 anos, que possibilitou ao país substituir o equivalente a dois anos da atual produção de petróleo por álcool, não registra impactos significativos sobre produtos alimentares básicos. Apenas a produção de grãos nesses 30 anos cresceu quase 200%, enquanto que a área aumentou menos de 25%. A produtividade fez a diferença. O presidente Lula tem tido um papel fundamental ao esclarecer o debate, trazendo a experiência do país a diversos fóruns internacionais.

A situação é muito diferente com os programas de biocombustíveis dos países desenvolvidos, que necessitam de grandes subsídios e de proteção comercial para se manterem. Com o crescimento da demanda por alternativas energéticas, associada aos altos preços do petróleo, esses programas desviam produtos alimentares para uso como biocombustível, criando uma alta de preços que é exportada pelos mercados mundiais de commodities e de maneira perversa acaba afetando justamente os países que poderiam suprir esses mercados de forma eficiente e sustentável.

Assim, em vez de ser parte do problema, o Brasil traz em si as soluções, tanto em biocombustíveis quanto em alimentos. O país é líder no mercado de etanol, e está levando o seu conhecimento e experiência para países da África e da Ásia em um exemplo de transferência sul-sul de conhecimentos. Diversos países em desenvolvimento vêem nos biocombustíveis um caminho para estimular o desenvolvimento rural, criar empregos e poupar divisas com a substituição das importações de petróleo.

Mesmo com um crescimento expressivo da demanda, o aumento da área plantada com cana no Brasil não deve pressionar o setor de alimentos ou o meio ambiente. A cana representa menos de 10% das terras cultivadas (ou menos de 1% da área do país), sendo que a soja e o milho representam mais de 55%. Há ainda 200 milhões de hectares de pastos e áreas abandonadas existentes disponíveis para a expansão dessas culturas, com mínimos impactos ambientais ou substituição de culturas alimentícias.

A forte base científica da Embrapa e outras instituições indica que a maior parte do aumento futuro da produção deve vir do aumento da produtividade, em vez da simples expansão da área cultivada. A agricultura brasileira já é modelo para o mundo - com o crescimento inexorável da demanda por produtos agrícolas, a contribuição brasileira só pode continuar a crescer.

Os países em desenvolvimento, assim como o Brasil, reconhecem que os preços dos alimentos e questões de mudanças climáticas são ameaças globais, e se preocupam com os seus impactos na economia, nos meios de sustento e na qualidade da vida das suas populações.

É preciso que os países ricos compreendam que não haverá solução para o desafio da segurança energética, dos preços dos alimentos e das mudanças climáticas enquanto os pontos de vista e as preocupações dos países em desenvolvimento, e especialmente economias-chave como a brasileira, não forem levados em consideração. O presidente Lula tem corretamente assumido uma liderança global nessas questões. O Banco Mundial é um parceiro próximo do Brasil nesse debate, que está na base de um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável para todos.

JOHN BRISCOE é diretor do Banco Mundial para o Brasil.

www.oglobo.com.br/opinião