Título: Governo já fala em mudar tarifa
Autor: Aggege, Soraya ; Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 23/04/2008, Mundo, p. 25

Oministro do Exterior, Celso Amorim, esclareceu ontem em Gana, na África, que o governo brasileiro não modificará o tratado de Itaipu, mas poderá negociar alterações nas tarifas da energia elétrica excedente repassada ao país pelo Paraguai, pelas brechas do próprio tratado. Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter dito que o tratado ¿ que estipula o preço destinado à dívida do Paraguai pela construção da usina e o que é diretamente entregue ao país ¿ não será renegociado, o chanceler declarou que o Brasil precisa ser ¿generoso¿, e não ¿imperialista¿, na sua relação com seus vizinhos. Uma possível negociação com o Paraguai, com aumento da tarifa para o Brasil, foi tema de uma reunião da coordenação política do governo ontem, com a presença do presidente Lula. Essa possibilidade, no entanto, enfrenta resistência dentro do próprio governo, como no Ministério de Minas e Energia.

Amorim considera que as negociações com o Paraguai não prejudicarão os interesses nacionais, mas podem manter a paz na América do Sul:

¿ Passamos da era de pensar: ¿Somos grandes e o resto da América do Sul que se adapte a nós.¿ Não podemos ser assim. O presidente Lula sabe que não pode ser assim. Temos que ter uma visão generosa. E quando falamos em generosidade, não é só ser bonzinho. Generosidade é também ver seu próprio interesse de longo prazo, que é o de uma região pacífica. O Brasil não quer ser visto como um país imperialista, que só quer tirar vantagem. Quer o progresso do conjunto.

Lugo reafirma que preço é injusto

Segundo o chanceler, não houve contradição entre suas declarações e as do presidente.

¿ Na verdade, nós declaramos a mesma coisa, com palavras diferentes. Às vezes, a gente diz (o mesmo) com outras palavras. Mas a maneira como acabou publicado dá a impressão de que são duas linhas diferentes. Eu acho que conversar a gente deve, para entender qual é o problema do outro. O fato é que o tratado não pode ser mudado ¿ disse o ministro do Exterior ontem, em Acra, onde participa da 12ª Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

A questão está sendo analisada pelo governo brasileiro, que não descarta sequer um pequeno reajuste da tarifa paga pelo país ao Paraguai. Isso foi discutido ontem nume reunião da coordenação política.

A postura, porém, não agrada a setores do governo. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou ontem que o preço da energia pago pelo Brasil ao Paraguai é justo e que uma elevação de tarifa não está, hoje, nos horizontes brasileiros. Segundo ele, a energia produzida por Itaipu custa cerca de US$46 (R$77 em valores de ontem) o megawatt (MW), ¿mais ou menos¿ o valor da energia a ser produzida pela hidrelétrica de Santo Antonio, no rio Madeira, que foi licitada no final do ano passada com preço de R$78 o MW.

¿ O que o Paraguai tem falado é uma revisão de tarifas, achando que a que se pratica não é justa. E posso dizer que esta é uma tarifa justa. É a tarifa que se pratica no mercado brasileiro. O ministro Celso Amorim entende que o preço deve ser um preço justo. E o preço é justo ¿ afirmou o ministro, apontado nos bastidores como um defensor dos critérios puramente técnicos na negociação.

Segundo Lobão, se o Paraguai tiver reivindicações a fazer o governo brasileiro poderá examinar, ¿com todo o cuidado como sempre fizemos¿. Mas afirmou que o Brasil já faz muitas concessões ao Paraguai. Em 2007 o vizinho vendeu toda a energia a que tinha direito ao Brasil ¿ e não apenas os 95% tradicionais ¿ a US$45 e usou para consumo próprio o que Itaipu gerou a mais do que o previsto pela metade do preço. Ganhou US$100 milhões com esta operação.

O presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, reafirmou ontem que não abre mão da revisão do preço da energia comprada do país, mas se mostrou disposto ao diálogo com o Brasil sobre o tema:

¿ Consideramos o tratado injusto. Independentemente de não podermos renegociar o tratado em si, porque teria que haver vontade de ambas as partes, cremos que o preço da energia tem que ser um preço justo.

A proposta de Lugo é criar uma comissão técnica binacional para debater o tema. Ontem ele revelou que pretende indicar os representantes na segunda semana de governo.

¿ Seguramente começaremos na segunda semana depois da posse (em 15 de agosto), indicando as equipes técnicas para podermos iniciar as conversas ¿ afirmou.

Reunião de líderes antes da posse

Embora não abra mão de reajustar os preços e de cobrar uma relação ¿racional¿, Lugo se mostrou disposto ao diálogo e a rejeitar a possibilidade de medidas radicais.

¿ Ninguém pode se negar a manter relações justas, equitativas, no marco da racionalidade. É o que pedimos aos nossos irmãos dos países vizinhos. O próprio presidente Lula nos disse que inclusive os técnicos não concordam sobre os números (de Itaipu).

Lula e Lugo devem se encontrar antes da posse do presidente eleito do Paraguai. O presidente brasileiro foi convidado ontem por Lugo para a posse. Lula ainda não confirmou se comparecerá, mas disse a Lugo que pretende conversar com o paraguaio antes de ele assumir o governo.

*Enviados especiais J