Título: O tratado foi violado diversas vezes, sempre em benefício do Brasil
Autor:
Fonte: O Globo, 23/04/2008, O Mundo, p. 26

O IMPASSE DA HIDRELÉTRICA: Assessor diz que aumento de receita com usina binacional poderia ser investido em programas de combate ao narcotráfico na fronteira

Mentor do presidente eleito Fernando Lugo para energia diz que governo brasileiro pode pagar mais por excedente de Itaipu sem rever o tratado que expira em 2023

ASSUNÇÃO. Considerado o mentor do presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, no tema energia e cotado para integrar o futuro ministério, o engenheiro Ricardo Canese disse que não é preciso rever o Tratado de Itaipu para que os preços da energia excedente sejam revistos. De acordo com ele - que é um dos autores do livro "O direito do Paraguai à soberania" - o Brasil paga US$300 milhões por ano ao Paraguai e gastaria US$8 bilhões para substituir a energia paraguaia por petróleo, por exemplo. Para Canese, o aumento de US$2 bilhões nos valores seria suficiente para o Paraguai.

Ricardo Galhardo

Como o senhor interpreta a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a revisão do Tratado de Itaipu?

RICARDO CANESE: O ministro Celso Amorim deu declarações posteriores dizendo que o Brasil vai buscar uma relação justa com o Paraguai. O mais importante para mim é o compromisso que Lula firmou conosco quando o visitamos em Brasília. Ele nos disse que poderemos tratar de todos os temas sobre Itaipu. Este foi o compromisso que Lula assumiu conosco e tenho certeza de que vai cumprir. Não há dúvida de que a declaração de Lula foi em função da repercussão interna que isso poderia ter no Brasil. O presidente Lula é uma pessoa de nossa inteira confiança.

É possível reajustar os preços da energia sem alterar o tratado?

CANESE: Para nós, o fundamental é o preço da energia. O problema é que o preço está no tratado, o que é um absurdo. Deve ser o único caso na História de um acordo de 50 anos que determina o preço. Mas existe uma série de saídas, que prefiro não citar agora, para que o preço seja revisado mesmo que fique tudo igual no tratado. Na verdade, o tratado foi violado diversas vezes ao longo de 30 anos, sempre em benefício do Brasil. Bastaria cumprir o tratado para que os preços ficassem mais justos.

O que o governo paraguaio pode fazer caso o Brasil se recuse a aumentar o preço?

CANESE: Estou convencido que haverá um acordo. Não especularia sobre outras alternativas. Não queremos fazer como o Uruguai fez em relação à Argentina e ir à Corte de Haia. Não queremos isso.

Qual seria o preço justo?

CANESE: Existem muitos cálculos e é possível usar muitos critérios. Por exemplo: se a energia elétrica paraguaia fosse substituída por gás natural ou petróleo seriam necessários 80 milhões de barris ao ano. Quem disse isso foi Jorge Samek (presidente da Itaipu Binacional). Com o petróleo a US$100 o barril (ontem chegou a US$119) o Brasil gastaria US$8 bilhões ao ano. E o Brasil paga ao Paraguai US$300 milhões, líquidos. O que propomos é um acordo entre estes dois números. Para dar uma cifra, o mínimo seriam US$2 bilhões.

Qual o impacto disso nas finanças paraguaias?

CANESE: Enorme. É o equivalente a toda nossa dívida externa. O PIB do Paraguai é de US$12 bilhões. E este dinheiro extra teria reflexos positivos também no Brasil. Os casos de crianças paraguaias que hoje passam a fronteira para estudar ou ir a hospitais no Brasil acabariam. Além disso, o governo paraguaio teria melhores condições para reduzir o narcotráfico e o tráfico de armas que têm reflexo direto na violência das grandes cidades brasileiras.

Quais as outras propostas para a área energética em relação ao Brasil?

CANESE: Gostaríamos de transformar o Paraguai no centro de distribuição de energia elétrica da região. Isso pode gerar até US$4 bilhões ao ano e beneficiaria a todos. Argentina ficaria com US$1,3 bilhão, Brasil com US$1,3 bilhão e Paraguai com US$1,3 bilhão.