Título: Perdas recordes, recessão maior
Autor: Novo, Aguinaldo; D"Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 19/04/2008, Economia, p. 23
Crise nos EUA faz Citi ter prejuízo de US$5 bi e demitir 9 mil, aumentando temor de retração longa
Aonda de inadimplência nas hipotecas de alto risco (subprime) arrastou para baixo os balanços dos principais bancos dos EUA no primeiro trimestre do ano. Depois de o Merrill Lynch anunciar na quinta-feira um prejuízo de US$1,96 bilhão, ontem foi a vez de o Citigroup publicar seus resultados com uma perda recorde. O maior banco americano registrou prejuízo de US$5,11 bilhões, o equivalente a US$1,02 por ação, em comparação a um lucro de US$5,01 bilhões nos três primeiros meses de 2007. Os problemas não ficam restritos ao balanço. Os gigantes americanos estão fazendo demissões em massa. Depois de cortar 4.200 funcionários desde janeiro, o Citigroup prepara a dispensa de mais nove mil até o fim deste segundo trimestre.
Longe de figurar como um problema estanque, a crise dos bancos explica as incertezas sobre o fôlego que a economia americana tem para escapar de uma recessão mais profunda. Os efeitos já chegaram à economia real. Com a redução de capital, os bancos têm de diminuir também a concessão de novos empréstimos, respeitando os limites de Basiléia (o acordo que trata da normatização dos procedimentos bancários). Dados do governo americano mostram uma queda real (descontada a inflação) de 0,6% do estoque de crédito ao consumidor no primeiro trimestre, em comparação aos últimos três meses de 2007. O crédito ao consumidor responde por uma fatia pequena do crédito total nos EUA (20%), mas a riqueza gerada pelo consumo tem peso de 70% no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) americano. Para se ter uma idéia, a redução de 0,6% representou uma bolada de US$12 bilhões, o equivalente a quase 15% do volume de crédito que entrou em 2007 na economia brasileira.
Outros bancos amargam impacto
O resultado do Citigroup veio pior do que a média das projeções do mercado, que esperava uma perda de US$0,96 a US$0,98 por ação. As receitas totais somaram US$13,22 bilhões, quase metade do registrado no ano passado. Em teleconferência, o diretor-financeiro do grupo, Gary Crittenden, explicou que o banco teve de reconhecer mais de US$15 bilhões em baixas contábeis, das quais US$6 bilhões exclusivamente por conta da alta inadimplência nos financiamentos hipotecários.
- Estamos focados nas despesas administrativas - disse Crittenden.
No início da tarde, a agência de classificação de risco Fitch anunciou a redução da nota de longo prazo atribuída ao Citigroup de AA para AA-, além de manter a indicação de novas reduções nos próximos meses. A Standard & Poor"s anunciou que pode fazer o mesmo, mas a decisão ainda não saiu.
O grupo americano é o mais afetado pela crise nos Estados Unidos, com depreciações totais de cerca de US$35 bilhões (considerando o balanço de 2007 também). O Citigroup também é agora o segundo banco mais afetado do mundo, atrás apenas do suíço UBS, que teve depreciações calculadas em cerca de US$37,4 bilhões.
- Esse foi talvez o trimestre mais difícil que vivi em 30 anos de Wall Street - confessou o novo presidente do Merrill Lynch, John Thain, que substituiu Stan O"Neal, demitido em novembro quando se começou a perceber a magnitude das perdas.
Mesmo quem não fechou no vermelho teve de amargar reduções das receitas e do lucro. Foi o que aconteceu com JPMorgan, Goldman Sachs, Lehman Brothers e Morgan Stanley. O JPMorgan, por exemplo, terceiro maior banco dos EUA, viu seu lucro cair de US$4,79 bilhões para US$2,37 bilhões. Já o Goldman Sachs, que publicou uma queda de 35% em suas receitas totais no primeiro trimestre, embolsou US$1,51 bilhões, contra US$3,2 bilhões em 2007.
Prejuízo também no segundo trimestre
A crise do subprime explodiu em julho do ano passado, mas já no fim de 2006 os sinais de descontrole eram fortes. Em dezembro daquele ano, o índice de inadimplência dos créditos era de 13,3% da carteira. Avançou para 17,5% em dezembro passado e, segundo projeções, ultrapassou os 20% ao fim do primeiro trimestre.
- Depois de negar o problema, os bancos agora tratam de tirar a sujeira debaixo do tapete - afirmou o analista da consultoria Tendências Filipe Albert, especializado em economia internacional e mercado de capitais.
Na sua avaliação, a temporada de prejuízos deve se estender aos balanços deste segundo trimestre, principalmente no caso de Citigroup e Merrill Lynch, que figuram como as instituições mais prejudicadas pela crise. Só no Merrill Lynch, que acumula prejuízos por três trimestres consecutivos, as baixas contábeis já somam quase US$25 bilhões.