Título: Dengue: Niterói investiga duas mortes suspeitas
Autor: Alves, Maria Elisa
Fonte: O Globo, 20/04/2008, Rio, p. 27

Cidade tem oficialmente 2.337 vítimas, mas número de doentes é bem maior por conta da subnotificação.

Com fama de oásis da dengue, elogiada por especialistas pelas suas estratégias de combate à doença, Niterói pode perder o posto privilegiado: o número de casos na cidade já começa a preocupar as autoridades, que investigam duas mortes que podem ter sido causadas pelo Aedes aegypti. A primeira seria de uma moradora do Fonseca, de 84 anos, e a outra de uma mulher de 53 anos, que vivia no Morro da Cocada. A Fiocruz liberou, na última sexta-feira, o resultado, negativo, de um dos casos, mas como todos os sintomas apontam para dengue hemorrágica, a Secretaria de Saúde pediu novos exames.

Até agora, o município tem, oficialmente 2.337 moradores infectados desde o início do ano. Mas a quantidade de doentes é muito maior: somente o Hospital de Clínicas, que montou um "dengódromo" - um local para a hidratação das vítimas, num prédio vizinho - afirma ter atendido 1.801 pessoas com suspeita da doença desde janeiro. A maioria mora em Niterói, mas o hospital notificou apenas 24 casos, confirmados por sorologia positiva.

Os outros foram encaminhados, segundo o médico Célio Ribeiro, chefe do serviço de emergência, à Coordenação de Vigilância em Saúde, da Secretaria de Saúde de Niterói, "para investigação criteriosa e posterior notificação".

Unidades particulares ignoram lei de notificação

O procedimento, adotado também por outras unidades, pode mascarar o verdadeiro número de vítimas na cidade, vizinha ao Rio de Janeiro, que vive uma epidemia. A Casa de Saúde Santa Marta, por exemplo, tem recebido diariamente cerca de 80 pessoas com quadro sugestivo de dengue. A soma de pacientes daria, desde janeiro, mais do que o total de vítimas notificadas no município. Só que a comunicação desses casos não está sendo adequada, admite o chefe do pronto-atendimento, Ângelo Ramalho:

- Estamos notificando sim, mas com atraso. Com um movimento tão grande, é impossível parar de atender para ficar preenchendo fichas de notificação.

Na Casa de Saúde Nossa Senhora Auxiliadora, a regra é notificar apenas os casos confirmados por sorologia - oito doentes até agora. Só que a Lei 6.259, federal, determina que as suspeitas sejam também informadas:

- É preciso notificar inclusive os casos suspeitos. Imagine só se, numa epidemia como a do Rio, tivéssemos que fazer sorologia de mais de 50 mil casos para fazer as notificações - diz o infectologista Roberto Medronho, professor da UFRJ.

Para o secretário de Saúde de Niterói, Luiz Roberto Tenório, a subnotificação existe, mas não é um problema exclusivo do município:

- Todos os municípios enfrentam essa dificuldade. Se levarmos a subnotificação em conta, o Rio também terá muito mais do que 52 mil casos.

Ele não esconde, porém, que a situação na cidade não é tão idílica quanto se pensa. A Organização Mundial de Saúde considera tolerável a incidência de até 300 doentes a cada 100 mil habitantes. Niterói está com 240 doentes por cem mil, e ultrapassa esse índice se forem contabilizadas as suspeitas de dengue não notificadas pelas clínicas particulares.

- Aqui não é um oásis. Enfrentamos a crise com competência, mas ela chegou a Niterói também - diz Tenório.

Saúde da Família ajuda a controlar doença

Abatidos e com marcas vermelhas no corpo, Antonio Francesco, e sua mulher, Sonia Maria Álvaro, eram, sexta-feira, o retrato da doença. Enquanto esperavam atendimento no Hospital de Clínicas, contaram que o filho do casal também está com suspeita de dengue. Na sala de hidratação da unidade, Arlete Duarte e Jorge Luiz da Silva tomavam soro. Ambos tiveram o sangue coletado para um exame que, em três minutos, mostra a quantidade de plaquetas, hematócritos e leucócitos.

- Já me hidratei cinco vezes - contava Arlete.

Para o coordenador de Vigilância em Saúde da Secretaria estadual de Saúde, Victor Berbara, Niterói enfrenta a dengue de forma mais eficaz:

- A assistência básica é bem melhor, há unidades 24 horas que já funcionavam, não foram abertas por causa da dengue.

Segundo Tenório, outra característica da cidade que está ajudando é a existência do programa Saúde em Família. Até agora, só 2,2% dos casos da doença necessitaram internação. Ele atribui isso ao trabalho dos 32 postos, com 102 equipes que atendem 165 mil pessoas:

- Os 32 postos do Saúde em Família oferecem hidratação. Os pacientes são atendidos durante a manhã e, à tarde, as equipes percorrem casas das comunidades para encontrar focos.

Outra diferença em Niterói é que os enfermeiros ou auxiliares do Saúde em Família são moradores das comunidades carentes atendidas. Em tempos de tráfico, isso facilita o acesso dos médicos aos locais.

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