Título: Lenta, mas constante
Autor: Alan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 06/05/2009, Economia, p. 12

Indústria sinaliza que recuperação econômica brasileira começou, mas acontecerá a passos de tartaruga. No mercado financeiro, Banco Central decide intervir no câmbio para conter a queda do dólar.

A produção industrial brasileira ainda está longe do áureo período anterior à crise internacional, mas vem consolidando uma trajetória de lenta recuperação mês a mês. Ontem, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou que o volume produzido em março superou o de fevereiro em 0,7%, configurando a terceira elevação seguida no indicador. Além disso, a média móvel trimestral, instrumento utilizado pelos técnicos para traçar as tendências dos índices, reverteu a queda, que persistia por cinco meses consecutivos, registrando agora uma alta de 1,6%. As boas notícias no campo interno combinam com o otimismo do presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, que comentou sua crença no fim da recessão ainda neste ano. Anteriormente, ele defendia um início somente em 2010. Nos últimos dias, as empresas chinesas elevaram os pedidos de compras de matéria-prima, também sinalizando ventos um pouco melhores.

Diante do tamanho da queda na indústria observada desde o último trimestre do ano passado, os números consolidados ainda são muito ruins. Mas analistas do setor público e do privado concordaram ontem ao afirmar que essa é uma fotografia do passado. O movimento atual é de uma progressiva recuperação ao longo deste ano, mas não suficiente para evitar uma queda na produção industrial quando todo o resultado de 2009 for comparado ao de 2008. No primeiro trimestre, a produção caiu 14,7% em relação a igual período de 2008, o pior resultado desde 1991. Se somado ao último trimestre de 2008, o período de seis meses registrou um tombo de 16,7%, a mais elevada perda desde o recuo de 19,8% provocado pela recessão do Plano Collor, no segundo trimestre de 1990.

As comparações com idênticos períodos do ano passado produzem um festival de números negativos. O resultado de março, por exemplo, ficou 10% menor por esse critério. Também nos últimos 12 meses, a queda é de 1,9%. ¿No presente, a situação está melhorando nitidamente. A economia está se recuperando. Nós já voltamos a aquecer e a acelerar¿, assegurou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, à Agência Brasil. Isolados, os desempenhos mensais deste ano trouxeram esperança de uma gradual recuperação industrial. Houve aumento de 2,1% em janeiro, de 1,9% em fevereiro e, agora, de 0,7% em março. Em relação ao quarto trimestre de 2008, houve uma queda de 7,9%.

Na avaliação do economista Fábio Silveira, sócio da RC Consultores, está ocorrendo uma ¿surpreendente¿ retomada em relação aos níveis de dezembro, mas é preciso ressaltar que a produção estava no buraco naquele momento. ¿De fato estamos vivendo um período de início de recuperação industrial. O resultado de abril será melhor do que o de março, o de maio superior ao de abril e assim sucessivamente¿, disse. Para Silveira, isso se deve à superação do pânico no mercado financeiro, à expansão do crédito nos bancos públicos, ao corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e às boas perspectivas nas economias dos EUA e da China.

No entanto, a retomada não virá no tempo e com a força necessários para gerar um crescimento da produção industrial neste ano. ¿Simplesmente não dá mais tempo. Seria preciso um esforço incomum para que se atingisse o patamar médio de produção de 2008. Além do mais, as empresas não estão investindo porque ainda têm uma grande capacidade ociosa¿, disse Silveira. Segundo sua estimativa, o volume produzido cairá entre 3% e 4% neste ano ¿ a média dos cerca de 100 analistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central (BC) aposta numa contração de 3,84%, mas esse número já foi pior. Depois de um segundo semestre com um pouco mais de vigor e se nenhuma hecatombe acontecer no cenário internacional, a indústria deve entrar em 2010 trabalhando num ritmo forte, avalia Silveira.

Também na opinião do coordenador de Indústria do IBGE, Sílvio Sales, há um ¿processo inequívoco de reação da indústria, suave, mas contínuo¿, confirmado nos dados de março. Houve uma melhora até nos números negativos, que estão menos piores. A magnitude da retração em março diante de igual período do ano anterior (-10%) foi bem inferior às quedas, segundo esse mesmo critério, verificadas em fevereiro (-16,8%), janeiro (-17,5%) e dezembro (-14,7%). Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, os resultados de março mostram a interrupção da queda livre do setor. ¿Há sinais tênues de que a atividade possa estar evoluindo de forma positiva neste segundo trimestre¿, disse. Segundo sua estimativa, a produção deve cair entre 2,5% e 3% no ano.

Os segmentos que estão se saindo melhor são os ligados ao mercado interno, principalmente o de veículos automotores, que lidera a reação industrial. A produção de automóveis, caminhões, autopeças e outros produtos do ramo cresceu 7% em relação a fevereiro e acumula expansão de 56,5% para o nível de dezembro. O fator determinante foi a redução do IPI. Em comparação com março do ano passado, quando a produção estava num ritmo acelerado, a queda é de 18,5%.

EUA A recessão norte-americana parece estar perdendo força e o crescimento provavelmente deve ser retomado no fim deste ano, refletindo uma melhora dos gastos dos consumidores, do setor imobiliário e o fim do processo de liquidação dos estoques das empresas, afirmou ontem o presidente do Fed, Ben Bernanke. Em depoimento no Comitê Econômico Conjunto do Congresso, ele acrescentou que a recuperação provavelmente será lenta e advertiu que a taxa de desemprego deve permanecer alta por algum tempo.

Intervenção Outro sinal de que a recuperação econômica está começando vem do mercado financeiro. O Banco Central promoveu, ontem, um leilão surpresa para conter a queda do dólar. O BC não fazia esse tipo de operação desde 29 de setembro de 2008. A medida teve dois efeitos: mudou o sinal para alta e amparou forte elevação do volume de negócios. Nessa atuação, o Banco Central assumiu posição comprada ao negociar US$ 3,412 bilhões em contratos com vencimento em 1º de junho de 2009, e posição vendida em taxa de juros.

O dólar iniciou o dia em baixa e tocou a mínima de R$ 2,106 (-0,94%). A mudança de direção ocorreu após o anúncio da operação do BC. Durante a tarde, a moeda no mercado à vista atingiu a cotação máxima de R$ 2,157, mas fechou o dia valendo R$ 2,148 ¿ alta de 1,03%. A Bolsa de Valores de São Paulo subiu 0,53% (alta de 7,15% no mês e de 34,94% este ano).

No mercado de câmbio, a única avaliação consensual foi a de que o objetivo do BC foi o de conter a trajetória de queda do dólar, que vem sendo amparada desde abril por vários fatores: o fluxo financeiro positivo resultante de ingressos captados no mercado internacional e também de entradas de recursos de investidores estrangeiros interessados em aplicar na bolsa ou em renda fixa; o fluxo comercial favorável decorrente de ingressos de recursos da safra agrícola exportada; e a projeção de que o volume de Investimento Estrangeiro Direto no país este ano se mantenha em cerca de US$ 22 bilhões.