Título: Vazamento da Petrobras pode tornar diretor de agências não mais intocável
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 20/04/2008, Economia, p. 30

Após caso da ANP, Câmara votará projeto que prevê demissão de dirigentes.

BRASÍLIA. Ao anunciar de forma atabalhoada, na semana passada, que o campo Carioca, da Petrobras, na Bacia de Santos, pode ter gigantescas reservas de 33 bilhões de barris, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, não só atraiu sobre si uma saraivada de críticas de investidores, políticos e analistas econômicos. Ressuscitou também a discussão sobre o afastamento de dirigentes dos órgãos reguladores em casos de conduta e gestão ruins. Essa possibilidade, adormecida desde a crise aérea do ano passado, será retomada em votação no plenário da Câmara dos Deputados, tão logo o projeto da Lei Geral das Agências entre em pauta. O texto está pronto.

O relator do projeto, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), adiantou que dará parecer favorável a destaques que abordem a retomada dos cargos dos dirigentes pelo Congresso. Quando seu relatório foi concluído, ano passado, a possibilidade de demissão foi arquivada, em um acordo entre governo e oposição. Temia-se que a polêmica sobre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), criticada dentro e fora do governo, facilitasse a aprovação de um texto radical, suficiente para fragilizar os órgãos, comprometendo sua credibilidade.

A área econômica temia, e teme, que regras mais flexíveis para a demissão passassem ao mercado a impressão de que elas perderiam autonomia, ficando vulneráveis a interferências políticas. Essa posição foi considerada um avanço, porque, com pouco mais de dez anos de existência no país, os órgãos reguladores são instituições novas e já foram alvo de ataques no início do governo Lula.

"Um dirigente não pode ficar acima da instituição"

Para Picciani, o episódio da ANP prova que uma alternativa deve ser encontrada para coibir a ação de dirigentes de agências, sem ferir a autonomia. Hoje a legislação praticamente blinda os diretores, depois que passam pelo crivo do Senado.

Eles só podem ser afastados em casos de renúncia, condenação judicial ou processo administrativo disciplinar. Este último tem de ser aberto pelo ministro ao qual a agência está vinculada. É decisão eminentemente política, o que torna muito difícil sua efetivação. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, do PMDB, por exemplo, disse que não pretende punir Lima, indicado do PCdoB, e considerou o caso encerrado.

- Os dirigentes são praticamente intocáveis, um absurdo. Eles devem ser estáveis, mas não intocáveis - diz Picciani.

Até o setor produtivo concorda que algo deve ser alterado. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, lembra que a lei deve definir com mais clareza os padrões de indicação dos dirigentes:

- Seria salutar fixar padrões para escolha. Depois, tem que garantir independência com responsabilidade. Um dirigente não pode ficar acima da instituição.

"Mudanças podem ser perigosas", alerta deputado

Um dos destaques que vai ao plenário é o dos deputados Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE) e Arnaldo Jardim (PPS-SP). Propõe a criação da Comissão Mista de Acompanhamento das Agências pelo Congresso, para verificar desempenho e gestão. Formado por vários partidos, esse grupo poderá recomendar ajuste orçamentário, alteração no modelo de gestão e até pedir ao Senado para substituir um dirigente, devido à má conduta.

- É necessário que os dirigentes de agências, quando não cumprirem sua missão, estejam sujeitos a penalidades. O Senado pode retirar a aprovação dada ao dirigente, e caberia ao governo exonerá-lo - diz Jardim.

O tema é polêmico. O coordenador da Frente Parlamentar das Agências Reguladoras, deputado Ricardo Barros (PP-PR), defende o projeto de Picciani e sugere que as agências poderiam criar processos administrativos sobre seus dirigentes, por meio de avaliação da ouvidoria, que atua no conselho diretor, sem subordinação. Isso garantiria a autonomia. O deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) considera a legislação atual suficiente e teme mudanças:

- Este governo sempre quis fragilizar as agências, e mudanças podem ser perigosas. A lei atual não veda a abertura de processo contra dirigente pelo Ministério Público.

Ex-dirigentes de agências admitem que o sistema precisa mudar. É o caso de José Alexandre Resende, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que defende a entrada do Tribunal de Contas da União para analisar a conduta dos dirigentes de agências, e não só suas contas.

- O que um dirigente diz sinaliza direções a serem tomadas e influencia preço de ações.

Outro ex-dirigente de órgão regulador critica Lima e sugere instituir o voto de desconfiança do Senado, para exigir do governo a abertura de processo administrativo contra o dirigente da agência. Isso deve ser bem calibrado, diz João Geraldo Piquet Carneiro, ex-presidente da Comissão de Ética Pública:

- A proposta não pode virar instrumento de chantagem e pressão política de senadores. Pode ser uma grande complicação, que colocará em risco a independência do órgão.