Título: Papa: intervenção da ONU contra atrocidades
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 19/04/2008, O Mundo, p. 34

Bento XVI afirma que comunidade internacional deve agir, mas atos unilaterais prejudicam organização.

NOVA YORK. Na parte mais política de sua viagem aos Estados Unidos, o Papa Bento XVI disse ontem na Assembléia Geral da ONU que a comunidade internacional tem, às vezes, o dever de intervir quando um Estado não consegue proteger seu próprio povo de ¿graves e repetidas violações dos direitos humanos¿. Mas Bento XVI ressaltou que essa intervenção deve ser feita no âmbito das Nações Unidas e que países que agem unilateralmente no cenário internacional acabam por minar a autoridade da ONU e enfraquecer o consenso necessário para enfrentar problemas globais.

Nova York recebeu ontem a visita do Papa num dia de primavera. O trânsito ficou tumultuado com várias ruas fechadas em torno da sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e da principal sinagoga da cidade, a Park East Synagogue, uma congregação histórica fundada em 1890. Bento XVI iniciou a parte política de sua visita aos EUA por volta das 9h30m. Terceiro Pontífice a discursar na Assembléia Geral, fez uma defesa dos direitos humanos:

¿ A promoção dos direitos humanos continua a ser a única estratégia efetiva para eliminar as desigualdades entre países e entre grupos sociais e para aumentar a segurança ¿ disse o Papa. ¿ As vítimas da miséria e do desespero, que têm a sua dignidade humana violada pela impunidade, tornam-se presas fáceis do apelo para a violência.

Consenso multilateral em tempos crise

Bento XVI afirmou que cada Estado tem o dever de proteger sua própria população da miséria e da violência. E declarou seu apoio a líderes que, no âmbito da ONU, defendem o direito de uma intervenção da comunidade internacional no caso de países que fracassam em proteger seus cidadãos de atrocidades políticas ou da extrema miséria, em aparente referência ao massacre de Darfur.

¿ Se o Estado for incapaz de garantir a proteção de seus cidadãos, então a comunidade internacional deve intervir com os meios jurídicos e os instrumentos acessíveis à ONU ¿ disse.

Mas observou que a noção de um consenso multilateral estava ¿em crise porque ainda está subordinada às decisões de alguns, onde os problemas do mundo pedem intervenções na forma de ação coletiva pela comunidade internacional¿. Embora não tenha mencionado nenhum país, parecia se referir aos Estados Unidos, que em 2003 invadiu o Iraque mesmo diante da oposição do Conselho de Segurança.

No encontro com o secretário-geral Ban Ki-moon, o Papa reafirmou seu apoio a metas da ONU, como a erradicação da pobreza, a paz mundial, a adoção de medidas contra o aquecimento global e a manutenção do diálogo entre religiões.

¿ O Papa apóia os objetivos desta entidade e estamos felizes em recebê-lo ¿ disse Ban.

Do lado de fora, vítimas de abuso sexual por parte de padres americanos viram recusados seus pedidos de um encontro com o Papa em Nova York. O advogado de muitas das vítimas, Mitchell Garabedian, protestou contra a recusa de um encontro como o realizado na capital americana, dizendo que Bento XVI iria precisar de bem mais do que meia hora ¿ tempo do encontro em Washington ¿ para entender a dor dos que foram vítimas de abusos.

Enquanto as vítimas protestavam, o cardeal William Nevada, líder da Congregação da Fé, declarou que o Vaticano iria analisar a possibilidade de aumentar as sanções previstas no Direto Canônico para sacerdotes envolvidos em escândalos sexuais. Suas declarações foram vistas como uma resposta à decepção dos líderes religiosos de Boston, um dos centros mais atingidos pelo escândalo sexual, pelo fato de a cidade ter sido excluída do roteiro do Papa. O cardeal Sean O¿Mailey, de Boston, era um dos líderes que insistiam no encontro de Bento XVI com vítimas de abusos. Ele disse ter dado ao Papa um caderno com os nomes de mais de mil meninos e meninas vítimas de abusos na Arquidiocese de Boston.

Amanhã, prece pelas vítimas do 11 de Setembro

No fim da tarde, o encontro com o rabino Arthur Schneier, da Park East Synagogue, foi considerado evento histórico, por unir dois líderes religiosos que viveram a Segunda Guerra Mundial. Bento XVI foi obrigado a alistar-se na Juventude Hitlerista durante a guerra. E o rabino viu vários parentes serem enviados a campos de concentração, inclusive três avós, que morreram nas mãos dos nazistas. A visita, que foi seguida de um incentivo a que cristãos e judeus aumentem suas alianças, foi a primeira de um Papa a uma sinagoga nos EUA.

O dia de Bento XVI em Nova York terminou com uma reunião com líderes de várias igrejas cristãs, mostrando que o Sumo Pontífice dedicou seus esforços para refazer as relações entre líderes católicos e de outras igrejas nos EUA. O Papa fica nos EUA até amanhã, quando visita o local das Torres Gêmeas e fará uma prece pelas vítimas do ataque de 11 de Setembro.

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