Título: Não vamos falar como súditos
Autor: Gois, Chico de; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 24/04/2008, O Mundo, p. 31

Vice eleito do Paraguai endurece discurso com Brasil. Governo Lula estuda propostas `realistas¿.

Ogoverno eleito do Paraguai deu mostras ontem de que insistirá numa revisão do tratado da Itaipu. Radicalizando o discurso, o vice-presidente eleito do Paraguai, Federico Franco, disse que seu país não é mais um ¿súdito¿ do Brasil e da Argentina, citando preços pagos por estas países pela energia gerada em usinas hidrelétricas binacionais. Enquanto isso, o governo brasileiro passou os últimos dois dias afinando o discurso e estudando futuras propostas para o país vizinho, sem alterações nas regras já estabelecidas.

Referindo-se ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à presidente argentina, Cristina Kirchner, Franco afirmou: ¿Que eles saibam que já não vamos falar como súditos nem como empregados. Não vamos criar nenhum problema, só vamos reclamar o justo.¿

As declarações foram dadas ao jornal argentino ¿Ámbito Financiero¿ e publicadas ontem. ¿Vamos assumir (o governo) e, depois, falar como pessoas adultas. Você deixaria que seu vizinho não desse comida aos filhos?¿

No Brasil, o governo decidiu que não tem pressa de negociar com o Paraguai questões relativas a Itaipu e pretende que, quando o canal de diálogo for aberto, as conversas sejam realistas. O recado foi dado ontem pelo chanceler brasileiro, Celso Amorim, única autoridade que falou publicamente sobre o assunto ontem. Ele afirmou que não falta boa vontade em Brasília, mas lembrou que o presidente eleito, Fernando Lugo, ainda nem escolheu seu ministro do Exterior.

¿ Vamos ter de ouvir. Não há pressa para chegar a conclusões sobre esse assunto ¿ disse Amorim, que participou de solenidade de comemoração dos 35 anos da Embrapa, no Palácio do Planalto.

A declaração converge com a orientação do governo de que é preciso que Lugo ¿desça do palanque¿ e com a decisão prévia de que o pleito do vizinho, de elevar os ganhos com a venda de energia excedente de cerca de US$400 milhões para algo como US$2 bilhões, está fora de cogitação.

Amorim: justiça com realismo

A opção do Brasil é retirar o assunto dos holofotes para não alimentar um clima de conflito. O governo está disposto a oferecer compensações. Elas tanto podem ser relacionadas a Itaipu ¿ um ajuste na tarifa da energia excedente, por exemplo ¿ quanto vir na forma de financiamentos e obras.

¿ O que há é, ao mesmo tempo, boa vontade, sentido de justiça e realismo. Vamos ter de combinar essas várias coisas ¿ declarou Amorim.

Sobre a declaração do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que anteontem dissera que o Brasil já paga um preço justo para o Paraguai, Amorim preferiu não polemizar.

¿ Não sei se haverá elevação de preço. Nunca disse isso. Disse que era preciso conversar. É muito ruim se negar a conversar, adotar uma atitude de hostilidade.

E, sobre Lobão, afirmou:

¿ Não tive tempo de conversar com o ministro Lobão. Certamente vamos conversar. Vamos conversar com o presidente de Itaipu (Jorge Sameck) e o presidente Lula vai conversar com diversas pessoas.

O governo brasileiro ainda não tem uma proposta concreta, embora tenha cartas na manga. A própria Itaipu tem uma sugestão. Acredita que, se a questão é caixa, o Paraguai deveria solicitar ao Brasil um adiantamento de parte das receitas que receberá a partir de 2023, quando já estará paga a dívida contraída para erguer a hidrelétrica.

Pela proposta de Itaipu, seriam antecipados US$200 milhões anuais entre 2008 e 2011. Este valor seria abatido do US$1,6 bilhão que Itaipu renderá ao Paraguai com a venda da energia excedente ao Brasil.

Perguntado, Lobão afirmou que este é um assunto que cabe ao Ministério da Fazenda e ao Itamaraty:

¿ As sugestões, os pedidos e as reivindicações do Paraguai o governo brasileiro examina com interesse. Não estou dizendo que serão atendidas, mas que serão examinadas pelo Ministério da Fazenda.

A preferência do Brasil, porém, é que o aumento da remuneração do Paraguai se dê por intermédio de ¿benefícios paralelos¿, com recursos do BNDES. Podem ser direcionados ao vizinho mais de US$1,5 bilhão.

As ações possíveis vão desde a construção de uma linha de transmissão ligando Ciudad del Este a Assunção (avaliada em US$200 milhões) até a transferência de tecnologia à agricultura (cerca de US$100 milhões). Usar o potencial hídrico ¿ como tornar navegável o Rio Paraguai ¿ é outra possibilidade, e custaria US$1 bilhão.

Em relação aos termos de contrato de Itaipu, o Brasil acena com a possibilidade de aumentar um pouco o valor da tarifa que paga para comprar a energia a que o Paraguai tem direito, mas não utiliza.

Lugo preferiu não alimentar polêmica ontem. Voltou-se para a política interna, disse que pode fazer alianças com o ex-general Lino Oviedo, seu concorrente na eleição, e até mesmo com setores do governista Partido Colorado contrários ao atual presidente, Nicanor Duarte, ¿para que a governabilidade seja realmente eficiente¿.

Com agências internacionais