Título: "Briga de guetos" dentro do Senado
Autor: Colon, Leandro; Rocha, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2009, Política, p. 02

Balanço da crise feito por Heráclito Fortes identifica grupos interessados no espólio de Agaciel Maia. Segundo ele, o descaso de senadores com a administração abriu caminho para a promiscuidade

Picaretas, apocalipse, guetos e promiscuidade. Em seu balanço dos três primeiros meses na Primeira-Secretaria, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) dispara frases polêmicas sobre a crise que tomou conta da Casa em 2009. ¿Aqui, de repente, transformou-se num caos. Estamos vivendo um caos, o apocalipse¿, diz. Livra os colegas e joga a maior parcela de culpa nos funcionários. ¿Há muito cara bom sem oportunidade vendo o picareta subir. É preciso botar ordem e acabar com os guetos. Não se administra com guetos, mas com hierarquia¿, afirmou.

O senador ocupa desde fevereiro a função responsável pela gestão administrativa do Senado, foco de denúncias de corrupção, nepotismo, superfaturamento em contratos, entre outras coisas. Ele tenta se proteger do tiroteio, embora a Primeira-Secretaria seja um reduto do DEM. O senador recebeu ontem o Correio em seu gabinete. Na conversa, deixou de lado a diplomacia com os ex-diretores Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi. ¿Ninguém vira diretor do Senado se não for um homem generoso, um papai noel, que está sempre agradando a um, a outro. Só que uma hora o saco estoura ou seca.¿

Alternando o tradicional bom humor com os agora cotidianos momentos de irritação, o senador faz promessas para o futuro, algumas delas caducas, como a redução de diretorias e empresas terceirizadas. Heráclito culpa a burocracia e a pressa da opinião pública pelo atraso dessas medidas. Ele admite que a crise está longe do fim, por um simples motivo: a guerra interna de servidores pelo espólio de Agaciel não tem data para acabar. ¿Essa briga no Senado é comandada por servidores. Muitos senadores são usados, são instrumento. Até porque 90% deles não conhecem como funciona o mecanismo administrativo do Senado.¿ Para o senador, a turbulência interna é a soma dessa disputa e da omissão dos senadores que deu autonomia demais a diretores de alto escalão. O primeiro-secretário classifica de ¿guetos¿ os grupos de funcionários que brigam pelo poder no Senado e os identifica. ¿É o grupo do Agaciel, que saiu, o do Gazineo (José Alexandre Gazineo, novo diretor-geral), e um terceiro grupo invisível, que tenta assumir o lugar dos dois¿. Heráclito não revela, mas os ¿invisíveis¿ são os consultores legislativos.

Porta-voz Sob pressão, o presidente José Sarney (PMDB-AP) passou a Heráclito a missão de ser a autoridade anticrise. O plenário do Senado perdeu espaço desde fevereiro para a burocracia interna, quando o peemedebista venceu o petista Tião Viana (AC) na eleição para a presidência da Casa. A partir daí, PT e PMDB engatilharam as armas nos bastidores. Homem de confiança de Sarney, Agaciel caiu. E começou então a briga pela sua sucessão. Servidores interessados nela decidiram contribuir para a abrir a caixa-preta administrativa. Resultado: todos os dias, Heráclito é cobrado a dar explicações. ¿Foram os três meses mais duros em toda minha vida política. Há três meses corrijo deficiência e erros cometidos.¿

Algumas explicações, porém, referem-se ao seu próprio mandato, como o uso de cota aérea para fretar jatinhos e também a contratação da filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Luciana, que não cumpria expediente no gabinete porque, para ela, o Senado é uma ¿bagunça¿. ¿A frase da Luciana é minha culpa. Sempre que ela vinha trabalhar aqui, jornalistas aporrinhavam a vida dela. Aleguei que o gabinete era bagunçado, mas no sentido de que entra e sai gente¿, disse. Luciana foi exonerada na semana passada. Heráclito, porém, concorda em parte com a filha de FHC. Pelo menos na parte administrativa. ¿A pior coisa do mundo numa administração é não ter regras claras. Pessoas que administram não com regras, mas circunstâncias. É no jeitinho. Quando quebra uma regra, passa-se a conviver com a prosmicuidade¿, afirmou.

Na próxima terça-feira, Heráclito e José Sarney receberão o primeiro resultado da auditoria que vem sendo feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A instituição pretende recomendar, entre outras coisas, a redução de secretarias, hoje em 38, sem falar nas mais de 70 subsecretarias. Para Heráclito, é possível trabalhar com menos de 15 diretores de secretarias. À reportagem, ele antecipou ainda que pretende reduzir pela metade o número de funcionários terceirizados. ¿Não há justificativa para o Senado ter 3,5 mil terceirizados¿, afirma. ¿Temos que trabalhar tendo em vista que o Senado é uma atividade fim, não meio.¿

3,5 mil é o número de funcionários terceirizados no Senado. A Polícia Federal e o Ministério Público denunciaram, recentemente, um esquema de corrupção em alguns contratos. O escândalo derrubou dois diretores. Ambos foram acusados de receber propina para beneficiar empresários. Assim que assumiu a Primeira-Secretaria, Heráclito Fortes (DEM-PI) determinou uma auditoria, que recomenda a redução de valores pagos a prestadoras e não prorrogação de serviços.

Jatinho A avalanche de denúncias que se abateu sobre o Senado respingou no primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), encarregado pelo presidente José Sarney (PMDB-AP) de varrer as irregularidades da Casa. Foi revelado que Heráclito fazia parte da lista de parlamentares que fretaram jatinho usando a cota aérea, gastando um total de R$ 28 mil. A assessoria de Heráclito informou que ele precisou fretar um jatinho, para viajar dentro do próprio estado, porque não poderia se ausentar por muito tempo do Senado, em razão da votação do Orçamento.

João Carlos Zoghbi

Zoghbi deixou o comando da Diretoria de Recursos Humanos após a denúncia do uso irregular de apartamento funcional, cedido a um dos filhos, enquanto residia numa mansão do Lago Sul. Mesmo após sua saída do posto, ocupado por ele nos último nove anos, mais uma irregularidade foi atribuída a ele: sua ex-babá, uma senhora de 83 anos, foi usada como laranja para ocultar ligação da família Zoghbi com empresa que intermediava contratos entre bancos e Senado do crédito consignado.

Agaciel Maia

O ex-diretor-geral do Senado foi afastado do cargo após denúncia de que ocultou a propriedade de uma mansão no Lago Sul, registrada em nome do irmão ¿ o deputado João Maia (PR-RN). Ele comandou a estrutura administrativa por 14 anos, mas se enfraqueceu nos últimos tempos com a revelação de uma série de irregularidades na contratação de empresas terceirizadas. Foi acusado também de patrocinar nepotismo na Casa e beneficiar aliados com mordomias, como os apartamentos funcionais.