Título: O peso da comida
Autor: Duarte, Patrícia ; Ribeiro, Erica
Fonte: O Globo, 27/04/2008, Economia, p. 29
Aescalada dos preços dos alimentos, acentuada nas últimas semanas, põe em xeque não apenas a meta de inflação do país. Comerciantes, economistas e bancos alertam que o maior comprometimento da renda das famílias de menor poder aquisitivo ¿ nas quais a alimentação consome até um terço das despesas mensais ¿ pode ter reflexos no nível de inadimplência e no ímpeto de compra dos brasileiros. Este seria um golpe no atual ciclo de crescimento econômico, inflado há mais de dois anos pelo aquecido consumo doméstico.
O avanço dos preços de arroz, feijão, pães e massas tende a elevar os gastos nos supermercados, reduzindo a folga orçamentária para comprar bens duráveis (como eletrodomésticos), vestuário e até gêneros alimentícios supérfluos, como iogurte e refrigerantes. Também pode abocanhar parte do salário reservada à quitação dos financiamentos contraídos nos últimos tempos de bonança. Estes são marcados por estabilidade, ganhos salariais e queda de juros, beneficiando especialmente quem recebe até seis salários mínimos por mês. Com isso, essas famílias se endividaram mais.
¿ Cerca de 20 milhões de novos consumidores entraram no mercado de crédito nos últimos dois anos, basicamente de baixa renda. Agora, é preciso ter mais cautela na concessão de crédito ¿ reconhece o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo.
A manicure Maria Batista Brito já sente o aperto. Para manter a mesma lista de compras sem gastar muito, ela teve de trocar itens como arroz, feijão e açúcar de marcas conhecidas por outras mais baratas. Maria gasta R$200 por mês em sua casa, onde mora com o marido, e R$80 por quinzena com as compras de alimentos para a casa de sua mãe:
¿ Se continuasse comprando produtos de marca gastaria, no mínimo, R$50 a mais. O pacote de cinco quilos de arroz de marca conhecida custa R$11, e o de marca própria, R$7. Ainda está caro, mas já é uma economia.
Recorrer a promoções é a saída para redes supermercadistas, principalmente as voltadas para as classes B, C e D, atraírem clientes e, assim, driblarem a perda de receita. Ronaldo Teixeira, diretor da RedeEconomia, com 50 lojas no Rio, diz que o arroz é um dos itens que entraram na lista de substituições do consumidor:
¿ Produtos em promoção são os mais vendidos, e a saída para chamar a atenção do cliente. Além do arroz, iogurte, açúcar e leite longa vida são trocados pelos de menor preço.
Genival de Souza, diretor do Prezunic, diz que os reajustes chegaram a todas as categorias de produtos, e que as tabelas de fornecedores estão com até 10% de alta para o varejista:
¿ Estamos tentando não repassar ao consumidor. Mas em algum momento isso acontecerá. A maior dificuldade é renovar promoções, pois elas tornam a loja atraente. É preciso negociar muito com fornecedores.
Calote aumentou no primeiro trimestre
Segundo o assessor econômico da empresa de análise de crédito Serasa, Carlos Henrique de Almeida, já se vê uma inadimplência maior: alta de 6,5% no primeiro trimestre do ano, contra 1,2% em igual período de 2007:
¿ Aumento de preços significa mais para as classes de renda baixa e pode gerar mais inadimplência.
A manicure Maria também se enquadra nesse perfil. Ela já está com duas parcelas do computador comprado recentemente atrasadas. Pretende renegociar a dívida com a loja.
Os dados da inflação medida pelo IPCA, do IBGE, mostram reajustes de alimentos acima do previsto. Entre janeiro e março, o feijão subiu 46,06%; tomate, 56,72%; óleo de soja, 25,47%; e massas e pães, 6,20%. Na prévia de abril, a pressão continua: a inflação dos alimentos atingiu 1,28%, o triplo da alta em março (0,40%).
¿ Os preços dos alimentos mudaram de patamar ¿ diz a coordenadora do Núcleo de Preços do IBGE, Eulina Nunes, lembrando que, em 2007, houve alta de 10,79%.
Pelas contas do economista-chefe da Concórdia, Elson Teles, os preços dos alimentos e bebidas subirão 9% em 2008, quase o dobro do previsto no início do ano. Problemas climáticos no mundo e possibilidade de escassez estão encarecendo as commodities:
¿ As pessoas vão ter de olhar para o orçamento. Não dá para parar de comer, mas de comprar roupas e eletrodomésticos ¿ diz Teles.
Outro efeito, para a inadimplência e o consumo, é a retomada da alta dos juros. No dia 16, o BC elevou a Taxa Selic de 11,25% para 11,75% ao ano e, para o mercado, ela pode fechar 2008 acima de 13%.
¿ Esses efeitos (inflação e juros maiores) afetam a população de renda menor, diminuindo o consumo. Mas pode haver mais inadimplência. Estamos em alerta ¿ diz Maércio Soncini, diretor da Associação Brasileira de Bancos (de pequeno e médio portes).
¿ O problema maior são os juros elevados ¿ concorda o coordenador do Núcleo Econômico da Fecomércio-Rio, João Carlos Gomes.
Com os alimentos mais caros, a saída é rever o orçamento e poupar para comprar à vista. Se não der, o vice-presidente da Anefac (associação de executivos de finanças), Miguel Oliveira, aconselha as pessoas a colocarem no papel o custo de empréstimos e ver se cabem no bolso.
BRASIL TEM CHANCE DE AVANÇAR NO MERCADO EXTERNO, na página 30 Jornal: O GLOBO Autor: Editoria: Economia Tamanho: 888 palavras Edição: 1 Página: 29 Coluna: Seção: Caderno: Primeiro Caderno
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