Título: Em meio à crise, Brasil tem chance de avançar no mercado externo
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 27/04/2008, O Globo, p. 30

BRASÍLIA. Se a crise dos alimentos pode afetar o bolso do cidadão e a expansão do consumo, por outro lado pode render benefícios comerciais ao Brasil. O descompasso entre a oferta e o aumento da demanda por produtos básicos no mundo deve fazer do país um grande exportador de bens agrícolas que, até pouco tempo atrás, tinham volumes inexpressivos na pauta. Os casos mais evidentes são os do milho e do arroz.

As exportações de milho aumentaram 182% nos últimos dois anos, devido à redução da oferta no mercado externo, causada pelo aumento da produção de etanol nos Estados Unidos. Com isso, o Brasil tomou o lugar dos americanos como fornecedor do cereal para países como Portugal, Espanha e Israel.

Com o arroz, acreditam governo, especialistas e representantes do setor privado, não será diferente. Diversos países asiáticos suspenderam suas exportações para garantir o abastecimento interno. Ao mesmo tempo, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, já fala em embarques de até 1,5 milhão de toneladas este ano, contra apenas 313 mil em 2007, sem comprometer o atendimento da demanda doméstica. Mais do que isso, alertou o ministro pelo menos duas vezes na semana passada, a saída será impor barreiras.

¿ Esta é uma grande oportunidade para o Brasil se tornar um player também nesses produtos. O Brasil é o país da oferta ¿ afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Suínos, Pedro Camargo Neto.

Próxima safra deve superar produção agrícola atual

Para o economista José Julio Senna, da MCM Consultoria, é importante que não haja restrição ao comércio internacional neste momento. Recorrer a medidas protecionistas, como fizeram a Argentina com o trigo e países asiáticos com o arroz, só tende a agravar a situação a médio e longo prazos.

¿ O agricultor precisa dos bons momentos do mercado para se dedicar à produção. Se os preços estão elevados e o produtor tem sua atividade restrita, fica desestimulado ¿ disse Senna.

A grande aposta é que a próxima safra agrícola vai superar de forma significativa a produção atual, de 140,7 milhões de toneladas. Os preços estão bons para todos os produtos, incluindo soja e feijão. E as cotações dessas commodities no exterior são fatores estimulantes para o agricultor brasileiro investir mais, apesar do alto nível de endividamento. Isso será resolvido com uma medida provisória que está sendo preparada pelo governo.

Abastecimento de trigo preocupa no Brasil

Também é esperado um aumento de 25% na produção de trigo. Para isso, foram anunciadas medidas que vão desde a expansão dos recursos para o plantio da safra que será colhida a partir de julho até um reajuste de 20% no preço mínimo de garantia do governo, passando a R$480 a tonelada.

¿ Há uma crise mundial, mas o Brasil está em uma situação privilegiada ¿ disse o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Wagner Rossi.

O professor Antônio Carlos Félix Ribeiro, do Núcleo de Apoio à Competitividade e Sustentabilidade de Agricultura da UnB, defende a implementação de uma política de governo mais efetiva e voltada ao aumento da produção e da produtividade.

¿ É como o futebol. O Brasil não pode se contentar com a fama de ser o melhor. Tem que jogar bem ¿ afirmou.

Apesar das medidas anunciadas pelo governo na semana passada, o trigo é o maior problema em termos de abastecimento. A cotação do produto subiu 103% lá fora e 90% no mercado doméstico nos últimos 12 meses. O consumidor brasileiro já paga até 25% mais pelo pão francês, pelas massas e pelo macarrão. Para piorar, o grande fornecedor, a Argentina, suspendeu as exportações do grão, e, desde janeiro, entraram apenas cem mil toneladas de trigo americano e canadense.

¿ O Brasil tem alternativas. Uma delas consiste na mudança de hábito de consumo: menos pão e biscoito; mais mandioca, carne, leite, derivados de soja, arroz e feijão. Tudo isso enriquece a dieta e fornece proteína ¿ diz o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, José Botafogo Gonçalves.