Título: Índios pedem autonomia e fim da tutela da União
Autor: Rocha, Leonel
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2009, Brasil, p. 12

Documento final do Acampamento Terra Livre também prevê direito de opinar em decisões governamentais, como a construção de hidrelétricas

Depois de quatro dias reunidos no 6º Acampamento Terra Livre, montado no gramado da Esplanada dos Ministérios, cerca de 1,2 mil lideranças indígenas de todas as regiões e etnias divulgaram ontem o documento final do encontro, reivindicando a revogação de, pelo menos, cinco artigos do Estatuto do Índio para extinguir a figura jurídica que considera os indígenas cidadãos sujeitos à tutela da União. Elaborado e aprovado pelo Congresso ainda durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, o estatuto restringe os direitos civis de quem vive nas aldeias e seus descendestes.

A tutela prevê, entre outras restrições, que são nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente, que nesse caso é a Fundação Nacional do Índio (Funai). Pela lei criticada pelas lideranças reunidas em Brasília, a tutela não se aplica no caso em que o índio revele consciência, conhecimento, extensão e efeitos dos seus atos. Qualquer índio poderá requerer ao juiz federal da região a sua liberação do regime tutelar, desde que preencha os seguintes requisitos: idade mínima de 21 anos, conhecimento da língua portuguesa, habilitação para o exercício de atividade útil, como profissão, por exemplo, e compreensão dos usos e costumes da chamada comunidade branca.

No documento elaborado com a assessoria de instituições como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ligado à Igreja Católica, e organizações não governamentais, como o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), as lideranças indígenas também reivindicam a mudança de expressões já condenadas pela antropologia, como ¿silvícolas¿ e ¿tribos¿ para identificar os indígenas e sua moradia. A mudança no estatuto é apoiada pela Funai.

A alteração do Estatuto do Índio implicará, necessariamente, em destinar aos mais de 200 povos espalhados pelo país o poder de opinar sobre decisões dos governos como, por exemplo, a mineração ou a construção de grandes hidrelétricas nas terras indígenas, objeto de várias emendas constitucionais em tramitação no Congresso. ¿O Legislativo brasileiro é dominado por setores que, em vez de regulamentar os nossos direitos, reconhecidos há 20 anos pela Constituição, têm se articulado com o propósito de restringir nossos direitos¿, diz o documento elaborado no Acampamento Terra Livre.

Autonomia No texto, que será entregue hoje ao governo e à Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas, os índios também reivindicam a autonomia administrativa e financeira da assistência à saúde para as diversas etnias. Eles propõem a autonomia de gestão dos 34 distritos sanitários especiais indígenas, com financiamento estatal garantido. Ao governo federal, os líderes indígenas também, reivindicam a desintrusão dos fazendeiros que ocupam terras dos Guarani-Kaoiwá, em Mato Grosso do Sul, e dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, no sul da Bahia. Ontem, os indígenas participaram de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, na qual apresentaram suas reivindicações.

Eles também exigem a demarcação e desintrusão da terra Marawaitzedé, onde vive o povo Xavante, em Mato Grosso. O documento dos indígenas também critica a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao definir a demarcação em terras contínuas da reserva Raposa Serra do Sol, aprovou 19 restrições ao domínio absoluto da terra pelos indígenas.