Título: Furo nas contas externas
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 29/04/2008, Economia, p. 19
Salto de 145% das remessas faz déficit dobrar, para US$4,4 bi, o pior resultado desde 1947
Ao alcançarem US$4,345 bilhões em março, uma alta de 145% sobre o mesmo período de 2007, as remessas de lucros e dividendos pelas multinacionais instaladas no Brasil surpreenderam analistas e o Banco Central (BC) e acentuaram a previsão de déficit externo, um dos indicadores de vulnerabilidade de um país, deste ano. O impacto, aliado à significativa redução do saldo comercial, levou a conta corrente a ficar negativa em US$4,429 bilhões no mês passado, mais do que o dobro de fevereiro e o pior resultado mensal da série histórica do BC iniciada em 1947.
O processo de deterioração das contas externas é uma das principais preocupações do Ministério da Fazenda nos últimos meses. É a combinação de dois motivos básicos: a aceleração da expansão econômica e a sobrevalorização do real. No limite, um país com buraco nas contas precisa de financiamento externo. No caso do Brasil, a maré é positiva: a economia atrai volumes recordes de investimento estrangeiro direto e aplicações financeiras internacionais.
A alta lucratividade das empresas graças à expansão econômica, ajudada pelo real forte (que compra mais dólares), fez explodir as remessas em março, ficando 50% acima da previsão do BC (cerca de US$3 bilhões). A cobertura de prejuízos das matrizes, devido à crise de crédito nos EUA, também contribuiu.
Viagem: resultado é o pior desde 97-98
Na contramão, devido ao câmbio e ao PIB, a balança comercial perdeu vigor (superávit de US$1,012 bilhão em março) e já não consegue cobrir as transações negativas - além de remessas, pesa o turismo, enquanto juros e transferências estão sob controle. A política industrial a ser anunciada em 12 de maio tem como objetivo, ao reanimar as exportações, organizar as contas externas.
Esse desequilíbrio começou no segundo semestre de 2007 e se acentuou no início deste ano. Já em fevereiro, o déficit mensal fora o pior da série. Ainda assim, o BC projetou há um mês um déficit em conta corrente de US$12 bilhões este ano, contra US$16,6 bilhões do mercado. O resultado de março, contudo, já levou o acumulado do ano a US$10,757 bilhões, e espera-se em abril rombo de US$2,8 bilhões. As projeções, portanto, serão revistas. E não será a primeira vez: pelo BC, era de US$3,5 bilhões há apenas 40 dias.
- Hoje, o Brasil tem até uma posição confortável, porque as reservas internacionais e os investimentos diretos são enormes. Mas, a longo prazo, isso pode se tornar um problema caso esses investimentos cessem - alertou o economista-sênior da Austin Rating, Nelson Carneiro.
- Essa deterioração a curto prazo (da conta corrente) pode melhorar com as exportações de commodities - ponderou o consultor de análise econômica do Itaú, Joel Pogdanski.
Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, a estrutura do balanço de pagamentos - integrado pela conta corrente (fluxo de pagamentos) e a de capital (estoque) - ficou mais saudável nos últimos anos, por estar mais atrelada à economia real. O fator-chave é o PIB: se gera mais remessas, também atrai mais investidores:
- Nossas crises, no passado, eram vinculadas a juros. Agora, às remessas. A estrutura agora é mais equilibrada e depende muito mais do desenvolvimento da economia doméstica.
De fato, em 2007 o dinheiro para o setor produtivo bateu recorde histórico. Este ano, continua forte: US$3,083 bilhões, o melhor março da série histórica do BC. Em abril, até ontem, entraram US$3,6 bilhões.
Já os gastos com juros, no último ano, recuaram 48%, chegando a US$307 milhões em março. Isso se deve às maiores receitas originadas com as aplicações das reservas internacionais, hoje encostando em US$200 bilhões, e pelo endividamento menor dos setores público e privado.
Também pesaram os gastos líquidos com viagens internacionais, de US$233 milhões em março, o pior resultado para esse mês em dez anos (US$248 milhões). O saldo no primeiro trimestre ficou negativo em US$930 milhões, o pior para o período desde 1997 (US$992 milhões) - ambos os casos época do câmbio controlado.
O dólar subiu ontem 1,32%, a R$1,689, influenciado pelo déficit. Além disso, houve uma remessa de US$500 milhões para o exterior.
- O déficit soou mal no mercado, que entendeu a notícia como um sinal de deterioração no cenário econômico - disse o analista de câmbio da corretora Liquidez Mário Paiva, lembrando ainda que houve um movimento para forçar a cotação média oficial do dólar, a Ptax, que fecha amanhã.
COLABOROU Juliana Rangel