Título: Argentina veta trigo ao Brasil, mas não à Bolívia
Autor: Oliveira, Eliane; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 29/04/2008, Economia, p. 21

País quer trocar o grão por gás boliviano e petróleo da Venezuela. Governo brasileiro vê escambo com preocupação

BRASÍLIA. Sob o argumento de que precisa atender a demanda interna e evitar novos aumentos na inflação, a Argentina suspendeu as exportações de trigo para o Brasil. No entanto, o país vizinho está disposto a trocar o produto pelo gás da Bolívia e pelo petróleo da Venezuela. A informação foi confirmada por fontes graduadas do governo, que vêem com preocupação esse movimento. Essas fontes disseram que o escambo ainda não começou. Contudo, os argentinos já negociam com bolivianos e venezuelanos essa possibilidade, por estarem preocupados com o abastecimento de energia no inverno, que começa dentro de dois meses.

Por enquanto, não existe uma orientação no governo brasileiro sobre como proceder diante desse impasse. Nos bastidores, a situação é considerada preocupante, dada a grande dependência que o Brasil tem do trigo argentino e o impacto da falta do produto sobre a inflação. Os preços do pão francês, do macarrão e dos biscoitos, por exemplo, subiram em torno de 20% nos últimos 12 meses.

O Brasil precisa importar 70% do trigo que consome. A demanda atual é de 10,2 milhões de toneladas por ano. O estoque mundial de trigo, estimado em 112 milhões de toneladas, é o mais baixo dos últimos 20 anos, e o preço do trigo nacional subiu 25,5% em 2008. Na Argentina, o preço do produto subiu mais de 50%. Ao liberar, na semana passada, mais recursos para financiar o plantio do cereal, o governo brasileiro espera um aumento de 25% na produção este ano.

Mercadante critica tratamento diferenciado

Ainda assim, a situação é complicada, pois, apesar de a Câmara de Comércio Exterior (Camex) ter reduzido a tarifa de importação de trigo a zero para uma cota de um milhão de toneladas, só foram importados até agora, dos EUA e do Canadá, cerca de cem mil toneladas. O alto custo do frete e os problemas de logística dificultam as compras dos países da América do Norte.

- Quando a Argentina precisou do Brasil, nós ajudamos o país vizinho. Já deixamos de comprar trigo de outros países para manter a preferência dada à Argentina - afirmou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

Eleito ontem presidente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul, em Montevidéu, Mercadante citou a questão em seu discurso. Para ele, em uma união aduaneira, um parceiro não pode prejudicar os demais sócios ou dar tratamento diferenciado a eles. Por outro lado, recentemente o Brasil disse "não" à Argentina, quando a presidente daquele país, Cristina Kirchner, pediu que parte do gás natural boliviano que entra no mercado brasileiro fosse cedido aos argentinos.

Ontem, o governo brasileiro autorizou o envio de energia ao mercado argentino, como faz tradicionalmente nesta estação do ano. A medida foi acertada durante uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de 2008, a Buenos Aires. Os argentinos pedem 1.500 megawatts (MW) a partir de junho, mas a quantidade de energia ainda está sendo negociada. De acordo com fontes do governo que estão trabalhando diretamente no assunto, a idéia é que o volume enviado seja devolvido pela Argentina entre os meses de setembro e novembro. Esse tipo de troca já aconteceu outras vezes, sendo o melhor caminho considerado pelos técnicos brasileiros.

- Quem garante que, se formos negociar a troca de energia por trigo, os argentinos vão conseguir nos pagar depois, com tanta oscilação nesse mercado? - indagou uma fonte.

Envio de energia à Argentina pelo Brasil será debatido

O fornecimento de energia à Argentina pelo Brasil será discutido na próxima sexta-feira, em reunião em Brasília entre os ministros de Minas e Energia, Edison Lobão, e o titular da pasta de Planejamento argentino, Julio de Vido. No entanto, uma decisão final sobre o volume a ser enviado não deverá ser tomada no encontro.

Internamente, a discussão é sobre como proceder com as termelétricas. O tema seria abordado hoje, em reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), mas esta acabou sendo adiada para o próximo dia 5. Existe uma recomendação para que todas as usinas termelétricas movidas a óleo sejam desligadas. As oito térmicas representam 1.200MW e devem ser as primeiras a serem desativadas, devido ao alto custo de geração.

Desde a semana passada, algumas delas já estavam desligadas, como William Arjona (PR) e Xavantes (GO).