Título: Novo maníaco choca a Áustria
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 29/04/2008, O Mundo, p. 26

Pai confessa ter tido sete crianças com a própria filha e queimado corpo de bebê que morreu

Oaustríaco Josef Fritzl, o maníaco de 73 anos que manteve a filha Elisabeth presa por 24 anos no porão de sua casa, confessou ontem à polícia ser o pai das sete crianças tidas por ela no cárcere.

O engenheiro elétrico aposentado que deixou em choque a pequena cidade de Amstetten, a oeste de Viena, contou ter feito o parto de todos os filhos ¿ que também eram seus netos ¿ e admitiu ter queimado o corpo de um dos bebês, o gêmeo que morreu, na caldeira que alimenta o sistema de calefação da construção.

O caso veio à tona depois que a filha mais velha da relação incestuosa teve que ser hospitalizada às pressas. Kerstin, de 19 anos, estava à beira da morte com uma doença que os médicos atribuíram a uma degeneração genética típica de relações incestuosas.

A equipe médica fez um apelo na TV para que a mãe comparecesse ao hospital e fornecesse o histórico médico da jovem. Elisabeth, hoje com 42 anos, assistiu às imagens e suplicou ao pai pela soltura.

Josef então libertou Elisabeth e os outros dois filhos que viviam encarcerados, dizendo ao resto da família que a filha havia finalmente voltado para casa.

A versão sustentada por ele era a de que Elisabeth teria fugido em 1984 para integrar uma seita misteriosa e que os filhos seriam fruto de relações na seita.

Além de Kirsten, ainda hospitalizada, Stefan, de 18 anos, e Felix, de 5 anos cresceram com a mãe no cativeiro e nunca tinham visto a luz do sol até esse fim de semana. Os médicos disseram que os dois, surpreendentemente, estão saudáveis, apesar de muito pálidos. Elisabeth foi descrita como uma mulher pequena e fisicamente fraca.

Os outros três filhos sobreviventes foram deixados por Josef em sua própria porta. A primeira criança estava acompanhada por uma carta forjada em que Elisabeth dizia que não poderia cuidar dele. As crianças foram adotadas por Josef e pela esposa, Rosemarie, e levavam uma vida normal.

Pai teve 14 filhos, sete do casamento oficial e sete incestuosos

Josef Fritzl teve sete filhos com Rosemarie, incluindo Elisabeth, que foi violentada pelo pai desde os 11 anos.

Segundo o chefe da polícia, Franz Polzer, o acusado se mostrou lúcido e disposto durante o depoimento. Polzer afirmou que ainda há uma série de perguntas sem resposta, especialmente sobre como Josef conseguia alimentar e cuidar de quatro pessoas dentro de um cativeiro de 60 metros quadrados sem que ninguém percebesse. O prédio fica numa das ruas mais movimentadas da cidade, com cafés, floricultura e lojas de decoração.

As autoridades divulgaram uma foto do acusado para encontrar testemunhas que tenham-no visto comprando comida e roupa para bebês. A polícia disse acreditar que Rosemarie não soube do que aconteceu com a filha quando ela desapareceu. Segundo o chefe das investigações, o cárcere do porão podia ser ocultado porque era isolado com uma porta especial aberta apenas por um controle remoto e uma combinação só conhecida pelo próprio Josef.

Fritzl é proprietário de diversos imóveis na cidade de Amstetten, inclusive da construção onde encarcerou a filha.

Durante os 24 anos, Elisabeth não saiu uma única vez do porão, com uma cozinha, um pequeno banheiro, TV e rádio, e não teve nenhuma assistência médica, nem mesmo para o nascimento dos sete filhos, em partos em que o pai e as crianças mais velhas precisavam ajudá-la.

Em Amstetten, no sul da Áustria, há um clima de perplexidade e em todo o pais começa a discussão sobre o que pode estar por trás dos diversos casos de desaparecimento de crianças e adolescentes que ocorrem todos os anos. Segundo o chefe do Departamento Criminal Federal de Viena, Fritz Lang, todos os anos desaparecem no pais mil crianças e adolescentes, sendo que 2% desses casos permanecem sem explicação.

Mil crianças desaparecem na Áustria por ano e 2% dos casos ficam sem explicação

Para o especialista austríaco, uma das consequências do caso de Amstetten será no futuro ampliar as investigações também junto a famílias dos desaparecidos.

¿- Nós investigamos o caso de Elisabeth desde 1984, ano do seu desaparecimento, mas quem julgaria que ela estaria trancada no porão da própria casa dos pais?

Elisabeth e seus seis filhos estão internados em uma clínica neurológica.

A mulher e os dois filhos do porão estão ainda ¿inteiramente confusos¿, incapazes de uma conversa normal, como disse Leopold Etz, um dos encarregados da investigação.

Segundo Brigitte Loeger-Schuster, professora de psicologia clínica da Universidade de Viena, Elisabeth Fritzl nunca vai conseguir superar o trauma do cativeiro e da violência sexual praticada pelo pai. Ela compara a situação da mulher e das três crianças que cresceram no isolamento total com as vítimas sobreviventes dos campos de concentração nazistas.

¿ Sobretudo os mais jovens lutaram a vida inteira, mas nunca conseguiram superar o trauma. Eu acho que o mesmo ocorrerá com as três crianças do cativeiro de Amstetten