Título: Sangria na poupança
Autor: Simão, Edna
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2009, Economia, p. 13

Medo de mudanças na regra de correção e dificuldades decorrentes da crise fazem saques da caderneta atingirem R$ 1,5 bilhão no quadrimestre. Em igual período de 2008, o saldo era positivo em R$ 1,8 bilhão

A caderneta de poupança sofreu uma sangria de R$ 1,523 bilhão no primeiro quadrimestre deste ano. Esse resultado é líquido, ou seja, já descontado o total de depósitos no período. A maioria dos pequenos investidores retirou o dinheiro porque passa por dificuldade financeira devido à perda do emprego ou porque se defrontou com custo de crédito alto ¿ reflexo da crise econômica mundial. Uma outra parcela fugiu da aplicação por temer as mudanças que o governo federal pretende fazer na remuneração do investimento.

O resultado dos quatro primeiros meses do ano representa uma inversão na comparação com igual período do ano passando, quando a poupança registrou entrada líquida de recursos de R$ 1,8 bilhão. Somente em abril deste ano, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC), a caderneta contabilizou uma captação líquida (depósitos menos saques) negativa de R$ 941,395 milhões. Esse número só perde para abril do ano passado, quando os saques superaram os depósitos em R$ 1,848 bilhão.

Dentre os estudos elaborados pelo governo está a possibilidade de substituir o retorno da caderneta de 6% mais TR (Taxa Referencial) por 65% da taxa Selic (10,25% ao ano). Também é cogitada a criação de remuneração diferenciada, conforme o valor investido ¿ sendo maior para o pequeno poupador ¿, e instituir a cobrança de Imposto de Renda sobre depósitos acima de R$ 500 mil.

Migração Com a queda da taxa Selic, a poupança passou a ser um investimento mais atrativo que muitos fundos de renda fixa. O Banco Central teme que grandes aplicadores migrem dos fundos de renda fixa (compostos por títulos públicos) para a caderneta. Isso dificultaria o financiamento da dívida pública pelo Tesouro. Ontem, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) ¿ que detalha os motivos do corte de um ponto percentual da Selic para 10,25% ao ano na semana passada ¿ reforçou a necessidade de mudanças institucionais para que os juros continuem caindo (leia mais na página 14).

A economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, explicou que o governo precisa encarar o problema da rigidez da remuneração da poupança, um resquício dos anos de juros e inflação elevada. Segundo ela, o presidente Lula tem popularidade para conseguir promover as mudanças. ¿O governo deverá ser cauteloso porque muitas pessoas ainda têm na memória o confisco feito pelo Collor¿, afirmou Zeina.

Na avaliação do ex-diretor do BC, Carlos Thadeu de Freitas, a fuga dos investidores da poupança está mais relacionada à dificuldade ocasionada pela ampliação desemprego, endividamento e crédito caro do que ao temor das mudanças nas regras de remuneração.

O gestor de renda fixa da Global Equity, Otávio Vaz, concordou. ¿Muitos brasileiros estão sacando para complementar renda¿, frisou. Para ele, se o governo não mexer na poupança uma nova queda da Selic deixará a caderneta mais rentável.

Os pequenos poupadores ficaram receosos com relação às mudanças quando a discussão entrou no âmbito político. Uma campanha do PPS tentou vincular o fato com o confisco realizado por Collor. Ontem, o PPS, o PSDB e o DEM divulgaram nota em defesa da caderneta de poupança. ¿A necessária diminuição da taxa de juros não pode ser feita à custa do rendimento da caderneta de poupança. O governo Lula tem outros instrumentos fiscais e financeiros para corrigir a política de juros¿, informa a nota.