Título: Temor de golpe pré-referendo
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 03/05/2008, O Mundo, p. 35
Tensão cresce e força Morales a desmentir conspiração militar. Grupos ameaçam queimar urnas.
Dezenas de movimentos sociais ligados ao MAS (Movimento ao Socialismo) do presidente boliviano Evo Morales anunciaram ontem que tentarão impedir a realização do referendo pela autonomia do departamento de Santa Cruz, previsto para amanhã, por considerarem a votação "inconstitucional, separatista e racista". Em meio à preocupante escalada de tensão, Morales se viu obrigado a ir a público tentar desmentir uma possível tentativa de golpe de Estado. Segundo o presidente, alguns ex-generais das Forças Armadas estariam lançando boatos sobre um possível golpe.
- Se enganam os ex-generais que pensam que ganharão alguma coisa espalhando rumores sobre golpe de Estado. As Forças Armadas estão conscientes e não serão usadas como instrumento partidário - disse o presidente durante um evento militar em Cochabamba.
Ontem, vários grupos contrários à autonomia realizaram uma marcha até o centro da capital cruzenha e ameaçaram incendiar urnas. No distrito de San Julián, o plano é fechar a estrada para impedir a montagem das mesas de votação, organizada pelo governo local de Santa Cruz. Em outros distritos, como Yapacaní e Cuatro Cañadas, há ameaças de enfrentamentos.
- Vamos marchar, protestar e, depois, queimar urnas. Não permitiremos que se realize um referendo que é inconstitucional, ilegal e só visa a dividir a Bolívia. Vamos defender nosso país dessa direita organizada. Somos camponeses, milhares de trabalhadores - disse Lúcio Vedia, da Central Obrera Departamental (COD).
No bairro Plan Três Mil, os ânimos estavam muito acirrados. Alto-falantes convocavam os moradores para impedirem o referendo:
- Não permitiremos que se instalem urnas aqui, em nenhum dos 40 ou 50 recintos previstos para nossa região. Essa decisão foi uma unanimidade. Muitos vão queimar urnas. Mas pode-se esperar de tudo - disse o constituinte Victor Torrico, do Plan.
Do outro lado, defensores da autonomia de Santa Cruz afirmaram que há mais de 60 paramilitares venezuelanos e cubanos infiltrados na capital, prontos para impedir o plebiscito com violência.
O governo local mobilizou mil guardas para tentar proteger as urnas e garantir a votação. Do outro lado, a Polícia Nacional reforçou seu aparato, anunciando que está em alerta. O presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Branko Marincovich, afirmou que será "lamentável" se os grupos de Morales tentarem barrar o plebiscito, que ele considera democrático.
- Jamais falamos em separar a Bolívia. Queremos apenas autonomia, não somos separatistas - disse Branko.
O deputado José Antonio Aruquipa, do Podemos, de oposição ao governo, disse que o alarme de um suposto golpe contra Evo é uma estratégia antiga do MAS:
- Não existem essas palavras, a não ser na boca do próprio Morales e do MAS. O problema é que eles passam a acreditar em suas próprias mentiras. Se há alguma ameaça, eles estão no poder e deveriam cumprir a Constituição, encarcerando aqueles que ameaçam o poder constituído no país.
Já o secretário de Autonomia de Santa Cruz, Carlos Dabdoub, disse ao GLOBO que o governo local não se intimidará e continuará hoje organizando o referendo, que é, segundo ele, democrático:
- Nós estamos muito tranqüilos e serenos - afirmou.
A Corte Departamental de Santa Cruz, que é ligada ao governo local, ressaltou que a realização do plebiscito de amanhã está garantida.
- Usaremos todos os meios legais para garantir a tranqüilidade. Tudo o que for incontrolável será considerado um delito a ser julgado pela Justiça do Departamento, de modo que o processo transcorrerá democraticamente - disse o porta-voz da Corte, Fernando Castedo Cadario.