Título: Cerco aos maus políticos
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 04/05/2008, O País, p. 3

TRE do Rio planeja bater recorde de impugnação de candidaturas; ação se espalha por estados.

Os dirigentes de partidos políticos do Rio de Janeiro já foram avisados. Amanhã, será a vez dos capixabas. Eles serão alertados pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES), desembargador Manuel Alves Rabelo, que não devem aceitar a inscrição de candidatos com a ficha suja para as eleições municipais, pois a Justiça Eleitoral não pretende tolerá-las. Os juízes fluminenses esperam, com a aplicação da medida, um recorde de impugnações no Estado do Rio este ano.

Com a reunião de amanhã, a Justiça Eleitoral capixaba segue a posição assumida pelo TRE-RJ, que promete vetar candidatos a vereador e prefeito com folhas penais recheadas de anotações, ainda que este princípio contrarie a Lei Complementar das Inelegibilidades - que exige, para a impugnação das inscrições, que o processo judicial tenha transitado em julgado, não cabendo mais recursos.

No mês passado, o TRE do Rio começou a fechar o cerco a candidatos de ficha suja ao baixar a resolução 691-08, que regulamenta o pedido e a apresentação de certidões criminais para o requerimento de candidaturas. Nela, a Justiça Eleitoral avisa, por exemplo, que não serão admitidas certidões expedidas há mais de 35 dias da data em que for protocolado o pedido. A razão é evitar que a medida seja burlada com certidões antigas. Outros tribunais, como o TRE do Espírito Santo, adotarão medidas semelhantes.

- Estamos caminhando para o ideal de eleições limpas. Na reunião com os presidentes dos diretórios partidários, vou alertar que, se não tiverem cuidado, poderão enfrentar uma situação indesejada: seus candidatos serão rejeitados e os partidos perderão essas vagas. Portanto, é necessário cuidado na hora de distribuir as legendas - disse o presidente do TRE-ES.

"Triste precisar de lei para a moralidade"

No Rio, os juízes eleitorais (a quem cabe a primeira decisão sobre o pedido de registro de candidaturas) estão dispostos a apoiar a vontade do presidente do TRE-RJ, desembargador Roberto Wider, de fazer prevalecer a interpretação de que não se pode deferir registro de candidatura quando existe prova de vida pregressa que atenta contra os princípios constitucionais. Eles esperam bater um recorde de impugnações.

- Historicamente, os juízes impugnavam, mas o candidato recorria e conseguia rever a decisão no tribunal (instância superior). Porém, se agora é o próprio tribunal que promete barrar, é bem provável que tenhamos um número histórico de impugnações - comentou um experiente juiz eleitoral, que prefere não se identificar para não ser acusado de antecipar o julgamento.

Roberto Wider disse que, além de reunir os dirigentes dos diretórios partidários do Rio, já teve um encontro com 196 dos 248 juízes eleitorais do estado para dizer que eles terão todo o apoio para aplicar o princípio das eleições limpas nos 92 municípios fluminenses.

O desembargador disse que não ouviu, até agora, uma única manifestação de resistência à medida, ainda que a tese da vida ilibada esteja longe do consenso dos tribunais superiores, já que não há lei prevendo esse impedimento.

- Triste é precisar de uma lei para observar o princípio da moralidade - lamentou o presidente do TRE fluminense.

Roberto Wider já comandava a Justiça Eleitoral do estado quando o TRE-RJ impugnou a candidatura do presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda, e de outros cinco políticos envolvidos na Máfia dos Sanguessugas. Essa medida acabou vencida por um voto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - três juízes apoiaram a decisão do Rio, e quatro votaram contra. Entre os três favoráveis, um era o ministro Carlos Ayres Britto, que toma posse depois de amanhã na presidência do TSE e presidirá as eleições municipais deste ano.

O voto de Ayres Britto pelo princípio da moralidade, recorda-se Roberto Wider, foi contundente, razão pela qual espera para este ano mudanças na posição do TSE. Otimista, ele já baixou uma resolução no estado que obriga todos os candidatos a apresentem certidões negativas das varas criminais. As convenções dos partidos para oficializar seus candidatos podem se realizar até junho, e no segundo semestre começarão os registros das candidaturas.

Os juízes de primeiro grau, a princípio desconfiados, passaram a acreditar na operação-limpeza nas listas eleitorais.

- Moralmente, isso é bacana. Penso que, se o indeferimento do juiz eleitoral for confirmado pelo TRE, o candidato terá grandes dificuldade para rever a decisão. No caso dos vereadores, por exemplo, o tribunal fluminense será a última instância, restando apenas o recurso extraordinário ao Supremo - disse um juiz.

Para os juízes, ainda que o candidato consiga recuperar sua inscrição em Brasília, terá dificuldade de conquistar a vaga, pois não poderá fazer campanha enquanto a questão estiver sub judice e terá de mobilizar recursos e tempo em sua defesa. De acordo com esse juiz, nenhum dos cinco candidatos que tiveram o nome impugnado na campanha de 2006 conseguiu se eleger.

Os magistrados, porém, temem que a aplicação do princípio invista a categoria de superpoderes, uma vez que poderão barrar qualquer cidadão que tiver uma anotação penal. O presidente do TRE-RJ afirma que não é bem assim. Explicou que, no encontro com juízes, cobrou bom senso na hora de avaliar as listas.

- Claro que não pretendemos barrar alguém que passou um cheque sem fundos na praça. Mas se o candidato passou centenas de cheques sem fundo, sendo ele um notório estelionatário, sua vida pregressa atenta contra o princípio da moralidade pública. É o mesmo que se faz nos concursos públicos. Se em qualquer outro posto público é preciso ter a vida ilibada, por que não na política?

No Ceará, TRE também vai barrar fichas sujas

Presidente do TRE de um estado onde a fronteira entre a política e a criminalidade é tênue, o desembargador capixaba Manuel Alves Rabelo lamentou casos de políticos que vêm se reelegendo, ainda que tenham sido cassados, pois impedem com medidas protelatórias o trânsito em julgado de seus processos.

- Que o eleitor, pelo menos na hora de escolher, tenha um grupo de nomes que sejam aceitáveis - disse.

No Ceará, o Ministério Público Eleitoral também fecha o cerco a candidatos com passado sujo. Os promotores eleitorais foram orientados a impugnar todo e qualquer registro de pessoas com antecedentes que revelem conduta incompatível com o exercício do cargo público. A recomendação vai além e diz que, quando houver decisão contrária às impugnações na esfera judicial, que recorram ao TRE, onde a determinação também é de moralizar as disputas.

COLABOROU: Isabela Martin

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