Título: Na terra do grau de investimento
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 04/05/2008, Economia, p. 33

DEPOIS DO AVAL

Após 6 anos de ajuste, Peru leva nota um mês antes do Brasil, mas pobreza continua.

Ao saber que o Brasil tinha recebido o grau de investimento da agência Standard & Poor"s (S&P), na quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou, afirmando que o país vive "um momento mágico" e que será visto agora "como um país sério". O reconhecimento internacional de alvo seguro para investidores aportou por aqui um mês depois de ter sido dado ao Peru. No dia 1º de abril, a agência de risco Fitch Ratings concedeu ao país vizinho o grau de investimento que o Brasil então cobiçava. O aval da Fitch foi o resultado de seis anos de ajuste fiscal rígido (2,5% em relação ao Produto Interno Bruto, PIB, a soma de bens e serviços produzidos no país, de 2007) e controle inflacionário (a taxa é de 3,9%, uma das menores da região no ano passado). Tudo isso aliado ao extraordinário aumento de preços, no mercado internacional, de commodities como prata, ouro, zinco e cobre - metais que o Peru tem de sobra em seu subsolo.

Em 2007, a economia do país cresceu 9%. As projeções do governo para 2008 indicam crescimento ainda mais robusto. O mundo está diante de um tigre latino-americano? Nem de longe. O Peru resolveu algumas questões macroeconômicas e até institucionais, mas continua preso à imagem de um típico país sul-americano. Cerca de 42% de sua população estão na pobreza - já foram 54,8% em 2001, mas o número atual ainda é alto - e 15,9%, na indigência.

O grau de investimento tem o poder de atrair mais capital externo, e isso já está ocorrendo. O setor de construção civil começa a se beneficiar, o que pode ajudar o Peru a resolver seu dilema, que é crescer com distribuição de renda. Ainda que a distância entre o país pobre e o rico esteja diminuindo, essa redução está bem mais lenta do que o ritmo de melhora dos indicadores econômicos.

Um muro de dois quilômetros de comprimento e três metros de altura separa dois distritos no sul de Lima, a capital do Peru, e simboliza o paradoxo que o país vive hoje. De um lado, casas com piscina e quadra de tênis. Do outro, casebres sem luz elétrica nem água encanada. O Surco, onde fica o bairro Casuarinas, é uma região arborizada, que abriga a elite peruana; em San Juan de Miraflores, vivem miseráveis, desempregados e trabalhadores informais, numa favela conhecida como Pamplona Alta.

O crescimento da economia peruana não se trata definitivamente de um vôo de galinha. Seu vigor econômico está mais para o vôo do portentoso condor. A equipe econômica do presidente Alan García projeta expansão de 9,2% no PIB deste ano. Apostando que o país entrou na rota do crescimento, o primeiro-ministro Jorge del Castillos anunciou a intenção de antecipar o pagamento de US$1,1 bilhão de dívida ao Banco Mundial (Bird) e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Tudo para garantir o grau de investimento - que significa ter baixíssimo risco de calote - dado por outras agências. Faltam Moody"s e S&P.

O Peru vem acumulando crescimento econômico contínuo há 78 meses, as exportações triplicaram nos últimos cinco anos e os investimentos externos vêm crescendo cerca de 20% anualmente. Mas o fato de o país ter acumulado reservas internacionais e ter se tornado credor líquido externo em 2007 é que foi decisivo para a Fitch elevar a nota do Peru de "BB+" para "BBB-". O Brasil só conseguiu virar credor externo em fevereiro deste ano.

- Ao elevarmos a nota do Peru, reconhecemos a melhora nos índices de solvência fiscal e das contas externas do país - comentou a diretora da Fitch, Shelly Shetty.

Ela está convencida de que o governo García resistiu às pressões por aumento de gasto público e soube aproveitar o vento favorável das commodities para investir em infra-estrutura, amortizar a dívida pública e aumentar os ativos.

Apesar disso, o analista sênior da Moody"s para a América Latina, Mauro Leos, acha difícil que a agência conceda o grau de investimento ao Peru em 2008. O principal desafio é a composição da dívida do país. Cerca de dois terços dela são compostos por dívida em moeda estrangeira - o Brasil, que costuma ser usado como referência, não tem mais que 10%.

O Peru tem com a Moody"s um rating "Ba2" com perspectiva estável, o que significa estar dois pontos abaixo do grau de investimento. Os executivos da Moody"s estiveram recentemente com autoridades peruanas. O encontro foi para rediscutir a nota do país frente aos novos indicadores apresentados, sobretudo em termos de balanço de pagamentos e situação fiscal do país.

Apesar das críticas da Moody"s, é inegável que a imagem do Peru no exterior mudou para melhor. Em recente pesquisa sobre as Metas do Milênio estabelecidas pela ONU, o Peru liderou uma lista de dez países que mais reduziram a mortalidade infantil. O Brasil foi o segundo.