Título: O BC errou e fez terrorismo
Autor: Economia
Fonte: O Globo, 04/05/2008, Economia, p. 36

Mundo reconhece que país não progride só na economia, diz.

O senhor contava com o grau de investimento este ano?

ANTÔNIO DELFIM NETTO: Poderia ter acontecido antes, quando as agências tinham um pouco mais de credibilidade. Mas é um reconhecimento de que estamos progredindo.

Viramos um país sério, como disse o presidente Lula?

DELFIM: Sempre fomos sérios. O De Gaulle (ex-presidente da França) é que achava que não éramos sérios. De qualquer forma, é um sintoma de que o mundo reconhece que o Brasil está progredindo, mas esse progresso não é apenas econômico. Quando você compara o Brasil a Índia, China e Rússia (países que formam o Bric), dá para ver que resolvemos praticamente todos os nossos problemas. Estamos preparados para um crescimento mais rápido, e não tenho dúvida de que levamos vantagem sobre esses outros países.

As outras agências alegam que o Brasil ainda está com uma dívida bruta elevada...

DELFIM: É verdade. Mas o mais importante é que temos um movimento na direção de queda na nossa dívida. Essa dívida é um problema, obviamente. Em economia, o que vale são as antecipações, as expectativas. Desde 2002, estamos reduzindo a relação dívida/PIB.

A nota pode fazer o BC rever sua política de juros?

DELFIM: Não acredito. O BC vem cometendo erros e fez terrorismo nas últimas atas. Desestabilizou a própria expectativa de inflação. O BC se meteu em um cabo-de-guerra com o Ministério da Fazenda e assumiu um compromisso do qual não poderia voltar atrás, que é de que iria subir os juros. Ninguém explica por que o Brasil tem que ter a maior taxa de juro real do mundo. E o mais grave: se você ler o que escreveu o BC nas atas, verá que o banco quer fazer o maior aumento de taxa real do mundo.

Mas tem justificativa?

DELFIM: Cada um encontra a sua justificativa. Para cada argumento que ele (o BC) tenha a favor da alta dos juros, há um argumento igual de sinal contrário e de mesmo valor. Estamos em um processo de mudança de preços relativos, e não de retomada de inflação. Processo inflacionário só veremos quando o salário real crescer mais que a produtividade do trabalho, coisa que não tem acontecido e não deve acontecer tão cedo. Essas últimas atas do Copom dão impressão de que estamos entrando em um processo de hiperinflação. É exagero, puro terrorismo.

Com grau de investimento e os juros atuais, como fica o dólar?

DELFIM: O Brasil continua sendo o último peru com farofa disponível fora do dia de Ação de Graças. Temos o maior diferencial de juros, principalmente porque o risco-país está caindo; uma reserva extraordinária, que garante a quem vai entrar que não perderá; e um dos mais sofisticados sistemas financeiros do mundo. Isso faz do Brasil o paraíso do investidor virtual. Somos também o único país onde a compra de papel do governo se chama investimento.

Mas e esse câmbio?

DELFIM: Ainda vamos pagar um preço muito alto por isso. Estamos repetindo os erros que cometemos nos últimos 25 anos. Toda vez que melhoram as relações de troca, o Brasil não resiste à tentação de usar o câmbio para reduzir a inflação. E para sair dessa armadilha, temos que cortar despesas do governo e ter a coragem de colocar o juro onde ele deve estar. O Brasil não tem razão para manter uma taxa de juro real superior a 3% ou 4%. Com uma expectativa de inflação entre 4,5% e 5%, a Selic deveria estar em 8,5%, 9%, no máximo. Uma investigação na Terra mostrou que juro mais alto que o nosso não existe aqui, deve estar em Marte.